terça-feira, 28 de novembro de 2006

Os polícias querem ter direito a greve

Este título de uma notícia nos jornais de 28 de Novembro surpreendeu-me, não porque tenha algo contra tal desejo dos guardiões da ordem pública a quem o povo muito deve, mas porque, na minha ingenuidade infantil (apesar de cabelos brancos e rugas), estava convicto de que eles já tinham tal direito.

Esse convencimento formou-se quando, há poucos meses, os governantes, ao reduzirem aos policias e familiares os apoios de saúde e outras «regalias» que vinham usufruindo, usavam o argumento de que os funcionários públicos são todos iguais em direitos e a tendência era a de igualar as condições de todos os cidadãos, pelo que os polícias tinham que alinhar com os restantes funcionários.

Embora tivessem surgido vozes a explicar que os polícias não são cidadãos iguais aos outros e que têm restrições de direitos, liberdades e garantias, as quais são compensadas pelas tais «regalias», os governantes, como detentores do poder, não hesitaram em manter a decisão.

Nestas condições, como ainda penso que os governantes são coerentes e actuam com racionalidade, lógica e de forma consequente, fiquei convicto que o polícias e militares, tal como qualquer funcionário público, incluindo os juízes (que até se intitulam órgão de soberania), passaram a ter direito de se manifestarem publicamente e de fazerem greve. Só assim se compreende a igualdade.

Afinal, estava enganado! Mais uma desilusão a convencer-me de que, em questões políticas, a lógica não passa de uma batata.

Sobre este tema, já em Abril p.p. foi publicada nos jornais a seguinte carta

Polícia é Funcionário Público?
(Publicada em 25 de Abril de 2006, p. 17)

Em plenas férias da Páscoa, é oportuno reflectir sobre quem é funcionário público. Há alguns meses, surgiu a ideia socialista e teórica de igualar todos os funcionários públicos, acabar com as regalias dos polícias quanto à passagem à reforma e ao apoio de saúde, reduzir as férias dos tribunais, etc. Teria sido muito eficiente e justo se não houvesse circunstâncias diferentes. Por exemplo, em dias em que as polícias estão em força nas estradas para garantir mais segurança a quem vai e vem de férias e nas cidades para dar segurança às casas pontualmente desabitadas e aos turistas que nos visitam, pergunta-se: quantos juizes estão activos, quantos professores estão no exercício das suas funções didácticas, quantos funcionários das Finanças estão nos seus postos de trabalho, etc. Por outro lado, quantos destes funcionários são abatidos violentamente no exercício das suas funções, durante o ano?

Para enfatizar esta reflexão, não podemos ignorar que mais de metade dos deputados da AR anteciparam a ida para férias na quarta-feira santa a ponto de inviabilizarem a votação prevista de nova legislação, dando um péssimo exemplo ao País. E o que é inconcebivelmente grave é que alguns, antes de se ausentarem, assinaram a folha de presenças.

Sem dúvida que devemos ter mais consideração pelos agentes policiais e bombeiros e recompensar a sua disponibilidade permanente e os riscos a que a sua actividade os obriga, e o que isso representa para os seus familiares. Constitui um erro insensatamente crasso considerá-los em situação semelhante à dos vulgares funcionários públicos.
A. João Soares

1 comentário:

A. João Soares disse...

Tendo colocado este texto no Blogue A Voz do Povo, aí recebi vários comentários que me sugeriram a conveniência do seguinte esclarecimento: Não consegui, no texto, tornar evidente a grande dose de ironia que utilizei para realçar a incongruência e contradição do Governo em querer manter a condição especial de restrições dos polícias e militares, em direitos, liberdades e garantias e, por outro lado, retirar-lhes todas as compensações que perante os funcionários públicos os tornavam diferentes, esquecendo que isso era o outro prato da balança, que assim ficou desequilibrada.
Concordo com os inconvenientes de os sindicatos nacionais agirem não em conformidade com os objectivos que interessam aos trabalhadores mas com os interesses dos partidos ou interesses que os tutelam! O sindicalismo e as greves são incompatíveis com as missões militares e de segurança pública onde o bem comum exige o sacrifício destes profissionais, a quem é exigido espírito de missão, há quem diga sacerdócio. Mas, à falta de sindicato, tem de haver maior sensibilidade dos comandos e dos governos para as condições de vida e de trabalho destes profissionais
É preciso sublinhar que, tendo de haver tantas restrições aos polícias, GNR e militares, devem ser mantidas as compensações que tinham do antecedente. Elas não lhes foram dadas pelos lindos olhos de um ou outro, mas sim para o País ter direito de lhes exigir sacrifícios que estão muito acima daquilo que é pedido a um funcionário público.
O Estado não pode tratar os polícias como se fossem funcionários públicos e depois utilizá-los como escravos sem as devidas compensações.