domingo, 19 de novembro de 2006

Religião (in)felicidade

Como tem sido aqui dada oportunidade de podermos aumentar a nossa capacidade de reflexão acerca de assuntos religiosos, julgo interessante trazer o artigo do padre Anselmo Borges que foca «o perigo patológico das religiões». É um tema já por mim abordado em tópicos e em troca de e-mails. Vale a pena meditar sobre as razões da «invenção» do Inferno com as suas chamas e horrores, bem como do «Apocalipse»; e sobre as alegrias sádicas dos «bons» ao imaginarem o sofrimento dos «maus» a cumprir as penas do Inferno. Em vez do livre-arbítrio e da liberdade responsável, na procura de felicidade total, muitas pessoas têm na religião algemas, restrições e temores de castigo eterno que tornam a sua vida numa angústia permanente. Sendo Deus Amor e generosidade paternal, podem ser considerados blasfemos aqueles que defendem a condenação e a exclusão dos «ímpios».

Sugiro a leitura dos livros sob o título «CONVERSAS COM DEUS» (3 volumes), de NealeDonald Walsch, editora Sinais de Fogo.


Religião e (in)felicidade

Anselmo Borges, Padre e professor de Filosofia, DN 061112

Sobre o inferno escreveu Tomás de Aquino: "Aos bem-aventurados não se deve tirar nada que pertença à perfeição da sua bem-aventurança. Ora, cada coisa conhece-se melhor pela comparação com o seu contrário. E, por isso, para que os santos tenham mais satisfação na bem-aventurança e dêem por ela abundantes graças a Deus, concede-se-lhes que contemplem com toda a nitidez as penas dos ímpios."

Muito antes, Tertuliano, Padre da Igreja, tinha escrito: "Que espectáculo grandioso! Exultarei, contemplando como tantos e tão grandes reis, dos quais se dizia que foram recebidos no céu, gemem nas trevas profundas. A visão de tais espectáculos, a possibilidade de que te alegrarás com tais coisas - que pretor ou cônsul ou questor ou sacerdote poderá oferecê-la, por muita generosidade que tenha?"

Não duvido de que subjacente a estes textos se encontra a ideia de que um dia será feita justiça. A injustiça é intolerável. Mas, sub-reptícia e inconscientemente, aninha-se neles muito sadismo. A crença no inferno foi uma das polícias mais eficazes de todos os tempos. No entanto, o inferno não faz parte do Credo cristão e só pode pregá-lo quem nunca meditou no mistério insondável da liberdade humana, mergulhada nos condicionamentos da temporalidade. Aliás, mesmo do ponto de vista conceptual, o que é que pode querer dizer uma condenação eterna? Às acusações de que deste modo se está a abrir caminho à irresponsabilidade e ao vale-tudo deve responder-se que o amor não banaliza, mas responsabiliza, devendo acrescentar-se que Deus só levará à plenitude as possibilidades concretizadas pelo ser humano no tempo.

Não constitui nenhum exercício de masoquismo lembrar que, desgraçadamente, para um número indeterminável de homens e mulheres, a religião, cujo núcleo é a salvação e a felicidade plena, em vez de ser o espaço da alegria, da expansão e da vida, foi, de facto, o espaço da tristeza, da humilhação e da morte.

Penso, por exemplo, em todos aqueles que foram e são vítimas de ódios e guerras cruéis e sanguinárias com base na religião. O horror, pura e simplesmente! Penso, claro, nas vítimas da Inquisição e em todos quantos, em todas as religiões, foram e são vítimas de censura, condenação e exclusão por motivos teológicos. Pergunto-me frequentemente como é que houve e há quem se arrogue o direito e até o dever de "definir" quem e o que é Deus e a partir daí condenar e excluir.

A história da missionação é uma história de generosidade sem nome, mas também se não pode esquecer ter tantas vezes servido interesses imperiais e assim contribuído para arrasar culturas.

Penso na história das relações entre as religiões e a sexualidade e nas vidas sexuais envenenadas e nos celibatos eclesiásticos obrigatórios e nos seus dramas e desgraças. Penso em certo tipo de confissão auricular que poderá ter ferido os direitos humanos.

Penso nas mulheres cujos direitos em igualdade com os homens as religiões de modo geral não reconhecem e sobretudo nas acusações de bruxaria que as levaram à fogueira.

O mais pernicioso foram e são ideias teológicas mesquinhas e ridículas. Também por isso, nomeadamente Buda, Confúcio, Sócrates e Jesus, figuras determinantes para a Humanidade e de cuja profunda religiosidade ninguém pode duvidar, foram considerados ateus. Sócrates concretamente bebeu a cicuta, acusado de ateísmo, e Jesus morreu na cruz, acusado de blasfémia.

Estes factos obrigam a ter constantemente presentes, com temor e tremor, os perigos patológicos das religiões. Talvez nunca se tenha meditado suficientemente na grandeza heróica daqueles que preferiram o ateísmo a ficar presos de um deus que humilha, escraviza e anula o Homem.

No entanto, o Homem é por natureza religioso, no sentido de estar constitutivamente aberto à questão de Deus enquanto questão. Essa abertura, independentemente da resposta, positiva ou negativa, que se lhe dê, é que é o fundamento último da dignidade humana. Precisamente porque é abertura ao infinito.

A religião enquanto fé no Deus infinito e pessoal foi mediadora da tomada de consciência da infinita dignidade de ser Homem. Esta é a intuição e a parte de verdade da tese de Feuerbach ao querer reduzir a teologia a antropologia.

Esta reflexão tem na sua génese a carta de uma colega a confessar-me a experiência traumatizante do pavor do inferno na infância, que a levou ao abandono da prática religiosa. Não deixou, porém, a fé na mensagem de que Deus é Amor, continuando a acreditar nos valores cristãos e a tentar praticá-los.

Como tem sido aqui dada oportunidade de podermos aumentar a nossa capacidade de reflexão acerca de assuntos religiosos, julgo interessante trazer o artigo do padre Anselmo Borges que foca «o perigo patológico das religiões». É um tema já por mim abordado em tópicos e em troca de e-mails. Vale a pena meditar sobre as razões da «invenção» do Inferno com as suas chamas e horrores, bem como do «Apocalipse»; e sobre as alegrias sádicas dos «bons» ao imaginarem o sofrimento dos «maus» a cumprir as penas do Inferno. Em vez do livre-arbítrio e da liberdade responsável, na procura de felicidade total, muitas pessoas têm na religião algemas, restrições e temores de castigo eterno que tornam a sua vida numa angústia permanente. Sendo Deus Amor e generosidade paternal, podem ser considerados blasfemos aqueles que defendem a condenação e a exclusão dos «ímpios».

Sugiro a leitura dos livros sob o título «CONVERSAS COM DEUS» (3 volumes), de NealeDonald Walsch, editora Sinais de Fogo.

Religião e (in)felicidade

Anselmo Borges, Padre e professor de Filosofia, DN 061112

Sobre o inferno escreveu Tomás de Aquino: "Aos bem-aventurados não se deve tirar nada que pertença à perfeição da sua bem-aventurança. Ora, cada coisa conhece-se melhor pela comparação com o seu contrário. E, por isso, para que os santos tenham mais satisfação na bem-aventurança e dêem por ela abundantes graças a Deus, concede-se-lhes que contemplem com toda a nitidez as penas dos ímpios."

Muito antes, Tertuliano, Padre da Igreja, tinha escrito: "Que espectáculo grandioso! Exultarei, contemplando como tantos e tão grandes reis, dos quais se dizia que foram recebidos no céu, gemem nas trevas profundas. A visão de tais espectáculos, a possibilidade de que te alegrarás com tais coisas - que pretor ou cônsul ou questor ou sacerdote poderá oferecê-la, por muita generosidade que tenha?"

Não duvido de que subjacente a estes textos se encontra a ideia de que um dia será feita justiça. A injustiça é intolerável. Mas, sub-reptícia e inconscientemente, aninha-se neles muito sadismo. A crença no inferno foi uma das polícias mais eficazes de todos os tempos. No entanto, o inferno não faz parte do Credo cristão e só pode pregá-lo quem nunca meditou no mistério insondável da liberdade humana, mergulhada nos condicionamentos da temporalidade. Aliás, mesmo do ponto de vista conceptual, o que é que pode querer dizer uma condenação eterna? Às acusações de que deste modo se está a abrir caminho à irresponsabilidade e ao vale-tudo deve responder-se que o amor não banaliza, mas responsabiliza, devendo acrescentar-se que Deus só levará à plenitude as possibilidades concretizadas pelo ser humano no tempo.

Não constitui nenhum exercício de masoquismo lembrar que, desgraçadamente, para um número indeterminável de homens e mulheres, a religião, cujo núcleo é a salvação e a felicidade plena, em vez de ser o espaço da alegria, da expansão e da vida, foi, de facto, o espaço da tristeza, da humilhação e da morte.

Penso, por exemplo, em todos aqueles que foram e são vítimas de ódios e guerras cruéis e sanguinárias com base na religião. O horror, pura e simplesmente! Penso, claro, nas vítimas da Inquisição e em todos quantos, em todas as religiões, foram e são vítimas de censura, condenação e exclusão por motivos teológicos. Pergunto-me frequentemente como é que houve e há quem se arrogue o direito e até o dever de "definir" quem e o que é Deus e a partir daí condenar e excluir.

A história da missionação é uma história de generosidade sem nome, mas também se não pode esquecer ter tantas vezes servido interesses imperiais e assim contribuído para arrasar culturas.

Penso na história das relações entre as religiões e a sexualidade e nas vidas sexuais envenenadas e nos celibatos eclesiásticos obrigatórios e nos seus dramas e desgraças. Penso em certo tipo de confissão auricular que poderá ter ferido os direitos humanos.

Penso nas mulheres cujos direitos em igualdade com os homens as religiões de modo geral não reconhecem e sobretudo nas acusações de bruxaria que as levaram à fogueira.

O mais pernicioso foram e são ideias teológicas mesquinhas e ridículas. Também por isso, nomeadamente Buda, Confúcio, Sócrates e Jesus, figuras determinantes para a Humanidade e de cuja profunda religiosidade ninguém pode duvidar, foram considerados ateus. Sócrates concretamente bebeu a cicuta, acusado de ateísmo, e Jesus morreu na cruz, acusado de blasfémia.

Estes factos obrigam a ter constantemente presentes, com temor e tremor, os perigos patológicos das religiões. Talvez nunca se tenha meditado suficientemente na grandeza heróica daqueles que preferiram o ateísmo a ficar presos de um deus que humilha, escraviza e anula o Homem.

No entanto, o Homem é por natureza religioso, no sentido de estar constitutivamente aberto à questão de Deus enquanto questão. Essa abertura, independentemente da resposta, positiva ou negativa, que se lhe dê, é que é o fundamento último da dignidade humana. Precisamente porque é abertura ao infinito.

A religião enquanto fé no Deus infinito e pessoal foi mediadora da tomada de consciência da infinita dignidade de ser Homem. Esta é a intuição e a parte de verdade da tese de Feuerbach ao querer reduzir a teologia a antropologia.

Esta reflexão tem na sua génese a carta de uma colega a confessar-me a experiência traumatizante do pavor do inferno na infância, que a levou ao abandono da prática religiosa. Não deixou, porém, a fé na mensagem de que Deus é Amor, continuando a acreditar nos valores cristãos e a tentar praticá-los.

3 comentários:

Alexandra Caracol disse...

Meu amigo

Primeiro que tudo quero dar-lhe os parabéns pelo seu blogue.

Ainda hoje de manhã me tinha passado pela cabeça perguntar quando é que o amigo me dizia qual era o seu blogue, mal sabia eu que estava prestes a conhecê-lo.

Este é um tema que me apaixona e por isso fiz imenso trabalho de pesquisa sobre as religiões para poder escrever um livro, que está quase terminado e que assenta sobre o perigo de sermos tomados por qualquer tipo de fanatismo incluindo o religioso.

Podemos ver a religião como algo que nos faz companhia ou como algo que nos aprisiona se começarmos a tomar medo de tudo por causa dos ensinamentos que muitos homens professam. Digo homens porque o Ser grandioso e maravilhoso que criou os céus e a terra de certeza que não apoia a maior parte daquilo que se ensina sobre Ele.

As religiões são feitas por homens, homens que querem o poder, e o poder consegue-se incutindo medo de tudo, pois é o medo que incapacita impossibilitando-as de pensar por si próprias e de tomar decisões.

Amar a Deus, sim! Se acreditamos n’Ele amemo-lo, mas acabemos com a hipocrisia de praticar actos abomináveis em nome de Deus.

Bem haja meu amigo.

Alexandra Caracol

Anónimo disse...

Amigo,muitos parabéns por este seu blog,mas queria saber se acredita no inferno eterno.Acredita?Um abraço de Ricardo Almeida

A. João Soares disse...

Ricardo,
Que pergunta tão estranha!!! Quem me tiver lido nos posts e nos comentários que por este blog deixo, sabe que a minha ideia sobre as religiões não é nada ortodoxa. Não foi Deus que as criou mas sim os homens, para «explicação» das suas ignorâncias, primeiro os politeísmos e depois os monoteísmos. Creio que isto responde à sua pergunta.

Hoje vem uma notícia no Jornal de Notícias que é um passo muito importante na obediência da Bíblia, na materialização da ideia do Deus pai, bondoso, que aconselha a nos amarmos uns aos outros . «Cristo vivo substitui crucifixos» http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1073680
«Paialvo em Tomar será única no mundo católico a dar relevo nos templos a Cristo ressuscitado em detrimento de Cristo morto e pregado na cruz.»

Realmente a imagem de Cristo crucificado foi um incentivo ao ódio aos judeus e os padres não repararam, durante todo este tempo, que estavam a dar uma má ideia do Deus e até a assustarem as crianças com a imagem de violência de homicídio, a familiarizarem as crianças com uma imagem imprópria para uma boa educação, tal como as pessoas hoje se queixam da violência e do sexo na TV.
A ideia de Deus de que mais gosto encontrei-a no livro «Conversas com Deus» de Neale Donald Walsch, editora Sinais de Fogo
Abraço
A. João Soares