Realidades da vida
Tive ontem o convívio e almoço da última quarta-feira do mês. Logo no primeiro contacto soube que o Soares de Azevedo faleceu. Não é da minha família embora tratasse a minha filha como prima, por ser Azevedo Soares. Há seis meses que não aparecia mas sempre tinha a esperança de estar connosco no mês seguinte. Hoje tive que o retirar do livro de endereços de e-mail. Sensação desagradável. Mas as notícias não ficaram por aqui: também faleceu o Soares de Carvalho. Este era da idade dos elementos do grupo, enquanto aquele era um pouco mais idoso. Só há que desejar que estejam em paz e, se houver reincarnação, que sejam mais felizes na próxima. E se algum familiar ler estas palavras, peço que aceite sentidos pêsames.
Mas se as homenagens póstumas só satisfazem quem as faz, o mesmo não acontece com o reconhecimento das qualidades dos vivos. O Manel P M merece umas breves referências na minha memória, pela sua tenacidade em lutar contra as circunstâncias em que teve de viver. Tendo entrado num acto anti-governo, conseguiu não ser preso como aconteceu aos companheiros e viveu algum tempo clandestino, viu amigos a fecharem-se aos seus apelos, refugiou-se numa embaixada, saiu para Paris, onde fez vida de estudante, comendo todos os dias lentilhas com entrecosto num refeitório estudantil. Mas não cruzou os braços, aumentou a sua formação cultural, nos campos da gestão e da comunicação social, procurou contactos com pessoas com quem aumentasse o seu saber. Passou para o Brasil, onde se viu a andar na rua com um matutino debaixo do braço a responder a anúncios, a conseguir boas colocações e a aperfeiçoar o seu saber para ter um desempenho de excelência e, foi colhendo os resultados do seu investimento na informação e na cultura. Ainda hoje, reformado, não deixa de ocupar o tempo em elaborar trabalhos bem pagos. O facto de ter sido um dos fundadores de um partido político e de isso lhe abrir portas no estrangeiro, facilitou o relacionamento com pessoas que souberam apreciar o seu valor.
Passado o 25 de Abril pôde regressar ao País e desempenhar funções junto de entidades na cúpula de Poder, ocupar cargos de relevo na Comunicação Social. Mas nada disto seria motivo para estas palavras se não fosse a impressão que me fez a sua voz embargada ao referir-se a um caso que evidenciou o seu sentido de honra e, por outro lado o que significa a solidariedade. Perante a doença grave de uma filha, procurou obter um cartão de beneficiária da Assistência que o apoia a qual lhe foi negada por o chefe do serviço ter dúvidas se havia direito a tal benefício. Mas, poucos dias depois, recebeu em casa pelo correio um cartão, que ele, passados seis meses, devolveu por motivo de falecimento da beneficiária, mas sem nunca o ter usado. A sua emoção deveu-se à recordação da filha, mas o caso foi referido em apoio de uma análise da sujeição a leis frias e pouco claras e ao ocasional sentimento solidário, com riscos do referido chefe, de que ele não abusou para não lhe criar eventuais dificuldades.
Perante gestos humanos, de dignidade, de lealdade e de honra merecem que se tire o chapéu e se enfatizem, principalmente nesta época de materialismo egoísta e interesseiro.
Devemos homenagear os vivos enquanto o são, porque em breve será tarde e pouco significativo. Este Homem, sempre igual a si próprio, lutador, procurou ser merecedor de uma boa sorte, nunca se quedando à espera de subsídios, à sombra de benesses gratuitas.
Mensagem de fim de semana
Há 1 hora
2 comentários:
Que nos façam sentir felizes por termos tais amigos.Eles nunca partem,nós é que aguardamos a vez de com eles ir ter!
Abraço sentido
Mário Relvas
Mas caro João Soares, com a perda de amigos a sério,temos um vazio muito grande.
Para mim é uma honra tê-lo conhecido ainda que virtualmente para já.
Bem haja por nos deliciar com os seus textos e com a sua visão optimista,mas séria e denunciadora do marasmo em que nos afundamos!
Um abraço
MR
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