Cada cabeça sua pátria no Dia de Portugal e de Camões
João Pedro Henriques, no DN de 070610
A pátria é só uma, mas a ideia dela é de cada um.
Oiça-se Odete Santos, comunista, quando se lhe pede uma ideia de Pátria: "Ai, é melhor não dizer!" Depois, sem que na verdade seja preciso insistir, lá explica o que "é melhor não dizer": "Lembra-me aquela coisa fascista do "Deus, Pátria, Família." E portanto, quando se insiste, a ex-deputada comunista e presidente da Assembleia Municipal de Setúbal, que ontem acompanhou durante todo o dia o Presidente da República nas celebrações do Dia de Portugal, diz que a ideia de pátria a remete para o hino. E começa a cantarolá-lo, numa versão antiga. "Família? Não!"
Depois oiça-se João Bénard da Costa, cineasta, figura de proa, durante a ditadura, da esquerda católica que combateu Salazar. "Pátria é uma ideia de família. De lar, da nossa casa, com os nossos pais, com a nossa história. É uma ideia de passado mas também uma ideia de futuro - as famílias também se renovam".
E aqui onde entram dias como o 10 de Junho? "São rituais, são símbolos importantes, nas famílias também existem rituais, como os almoços de Natal."
Razão tem Viriato Soromenho Marques, filósofo, ex-presidente da Quercus. "As pátrias implicam uma construção. São uma obra de arte e não uma obra da natureza. E sempre em permanente renovação: para uma pátria não há idade de reforma."
Perante a actualidade, o filósofo reconhece "uma certa apatia cívica" porque "há muito que Portugal tem mais de memória do que de futuro".
O que, acrescenta, de certa forma até é natural: "Não há nenhum país tão pequeno que consiga ter a sua língua espalhada pelo mundo como Portugal tem. Nenhum país imperial de dimensões semelhantes à nossa conseguiu isso. Veja a Holanda, por exemplo, esteve pelo mundo todo mas a língua não se espalhou. Só quem conseguiu isso foram grandes nações, como a Espanha ou a Inglaterra. O caso português é absolutamente único."
Por isso "falta um projecto". E depois diz qual é o "projecto": "Discutir a Pátria é discutir a Europa, Portugal na Europa." Portanto, mais uma vez Portugal é um país que parece só conseguir imaginar-se fora das suas fronteiras.
Ora pela Europa anda José Mourinho, há muito anos. Nado e criado em Setúbal, o treinador de futebol que os ingleses conhecem por the special one compareceu ontem num almoço convocado pelo Presidente da República (ele e vários outros VIP dos distrito, como Dulce Pontes, o cantor e compositor Toy, os motards Ruben Faria e Hélder Rodrigues, entre outros, todos exemplos de portugueses bem sucedidos no estrangeiro).
Falando ao DN, explicitou como a ideia de pátria se cria de fora para dentro: "Estar aqui [em Portugal] faz-me diluir a ideia de pátria. É lá fora que penso mais nisso." E depois foi submerso por jornalistas que o queriam a comentar o "deserto" do ministro Mário Lino.
Almirante Gouveia e Melo (III)
Há 1 hora
8 comentários:
Meu caro João,
O que penso da ex-deputada Odete Santos também "é melhor não dizer"!
Apenas que já disse muito melhor, há muito tempo.
Quanto ao resto, estou absolutamente de acordo com o filósofo Soromenho Marques quando diz que temos mais memória que futuro.
Dramático, não lhe parece?
Um abraço
Sim, dramático. Tal como na estrada não se deve andar na vida a em marcha atrás ou a olhar para trás. Temos qu viver da melhor forma o dia de hoje e preparar o de amanhã. Tem de haver um planeamento, estratégico, a prazo, para que tudo seja coordenado em convergência com o objectivo pretendido. Isto é um princípio de qualquer sistema de planeamento e de preparação da decisão. A Pátria devia ser merecedora de melhor atenção de todos e, principalmente, dos governantes, para ser construída como uma obra de arte de que todos os vindouros se possam orgulhar.
Um abraço
João Soares
A ex-deputada Odete tem uma declaração infeliz, como de há uns tempos a esta parte. Quer fazer-se passar pelo baluarte da luta anti-fascista e então...
Bom dia de Portugal
Abraço
Caro Amaral,
Ela, como muita gente perde o equilíbrio entre as coisas e inverte as prioridades. Não deve pisar valores superiores para fazer sobressair que devem ser reservados para outras ocasiões. Cada coisa pode ser tratada como a mais importante desde que o conjunto visado seja propício a esse destaque.
Tive imenso prazer em 1982, numa reunião em que estavam todos os líderes de partidos com assento na AR, em ouvir Álvaro Cunhal afirmar com muita clareza e convicção que a defesa da Pátria é dever de todos e de cada português. Tratava-se de analisar um projecto do estatuto do objector de consciência que tinha nascido de propostas da juventude socialdemocrata.
A D. Odete não chega à sola dos pés do seu ex-patrão.
Um abraço
Caro João Soares,
Deus, Pátria e Família é um conceito atribuido a Salazar, mas oriundo de um brasileiro como se pode constatar num post que coloquei há dias no "Aromas".
Mas confesso que estudei no mesmo colégio onde ele se confrontou com tal frase e a adoptou. Acontece que fui criado nesse conceito.
Deus, porque temos que acreditar em algo transcendente, Pátria, porque é o berço comum de todos, não de socialistas ou de comunistas, amarelos, ou azuis... Família, porque só constituindo o bem de casa, o bem familiar, determinando a família para o trablaho, o sacrifício e o humanismo, todos poderemos acreditar e fazer pela Pátria.
A Pátria somos todos nós... façamos por ela, conservando valores, tendo capacidade para alargar horizontes, mas ponderadamente!
Isto é a Pátria Lusa, não a república das bananas...
A pátria da senhora Odete é o vermelho... da URSS!!E sem dúvida alguma a mesma de Cunhal...
Por isso, estou com a frase de Deus, Pátria e família!!
Abraço
MRelvas
Poderá ser difícil dar uma definição criteriosa do que é Pátria, mas dar uma resposta como a da Odete não lembra ao... diabo.
Abraço
Só hoje vi que o meu post de 10 de Junho versava exactamente a mesma declaração de Odete Santos.
Tenho, portanto, o gosto de constatar que perfilhamos a mesma opinião.
Cumprimentos.
Cara Sininho,
Obrigado por esta visita e pelo comentário. Visitei «o eco da falésia» e gostei. Voltarei mais vezes. É sempre agradável ver quem, sem forçar a nota, sem ofender os que pensam de maneira diferente, sabe defender as suas convicções.
Precisamos de gente que pense e actue de forma positiva e construtiva para a felicidade dos portugueses que, a pouco e pouco, há-de melhorar.
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