Os ratos na Boa-Hora
Paquete de Oliveira, Sociólogo e professor do ISCTE, no JN
Ridícula história esta, a de um rato encontrado em estado de avançada decomposição no gabinete de juízes do Tribunal da Boa-Hora. Ridícula, mas verdadeira. De tal modo que os juízes da 4.ª Vara Criminal daquele tribunal, fartos da repetição de casos como este, requerem a intervenção do director-geral da Saúde (DGS) e do inspector-geral do Trabalho (IGT), por considerarem as condições em que ali trabalham serem atentatórias em relação à saúde e ao funcionamento da actividade profissional.
Já muitas vezes tem sido reclamado o estado decrépito em que se encontra aquele edifício, aliás, um monumento a ter em conta na Baixa lisboeta e no parque histórico das "casas da Justiça" em Portugal.
Este sinal de alarme representa o desespero de quem ali trabalha e constitui uma reclamação pública do incompreensível adiamento de uma intervenção que se impõe. É também o reflexo do mal-estar que continua a persistir entre agentes da Justiça e o actual Governo.
Mas confesso que acordar ao ouvir esta notícia como primeira notícia do dia nas rádios a que ontem estive ligado é, acima de tudo, deprimente. E leva-me a ter o desejo de poder escrever a todas as autoridades deste país ou a pedir aos meus concidadãos que subscrevam por todo o lado abaixo-assinados para que casos destes acabem urgentemente.
Esta história, no seu ridículo, reveste-se de um grau simbólico da caricatura que se vai desenhando sobre o país. É ridícula para o país. E também por isso é de clamar contra as coisas risíveis que alastram sobre uma nação que se quer, e se pensa, séria.
A cena dos ratos que se passeiam e apodrecem nos aposentos da Boa-Hora pode também ter a leitura da crise que cada vez mais se acentua sobre a Justiça, os seus agentes e organismos. O efeito roedor das estruturas do edifício social que nos abarca - o Estado - é muito mais catastrófico. Tem de valer-se à Boa-Hora. Mas tem de valer-se ainda muito mais rapidamente sobre o estado de decomposição da imagem da Justiça e de seus actores.
Indubitavelmente a crise da Justiça é evidente. Mas pelos sintomas da crise não debelada, talvez até porque mal diagnosticada nos seus múltiplos factores, querer "matá-la", destruí-la na imagem pública aos olhos dos cidadãos, é um crime de que todos nós, responsáveis directos e indirectos, havemos de responder historicamente. Sem Justiça não há Estado.
Já todos constatámos não ser possível manter em salvaguarda, nos termos em que as regras actuais estabelecem, o "segredo de justiça". Só quem não quer ver é que não reconhece que o segredo sobre tudo "morreu". Só é possível preservá-lo quando aqueles que o conhecem o guardam. Pululam por aí tantos "segredos violados". Constrói-se histórias e histórias sobre eles. Pressupõe-se, cínica e candidamente, que só quando se pronunciar a sentença se fará a justa justiça. Aponta-se "fabricadores" de processos ditos inventados.
Já se tornou do domínio popular que a aplicação da justiça não deriva de uma ciência exacta, mas da interpretação humana de leis e circunstâncias. Continua, é certo, a ser difícil ao povo entender como é que um juiz manda arquivar um dado processo e outro manda abrir e seguir para julgamento.
Ou perceber o desfecho diferenciado a Sul e a Norte na acusação a jornalistas de eventual infracção relativamente ao respeito do tal segredo de justiça. Ou aceitar que conversas reais gravadas não "existem" ou não "existiram" porque não têm sustentação jurídica ou constitucional.
Não é possível atribuir este estado de coisas ao preço de viver em democracia. É uma tremenda injustiça. Imputar à democracia este desgaste sobre a "máquina da Justiça" é estar a cavar uma vala perigosa em que todos podemos sucumbir.
A Decisão do TEDH (396)
Há 50 minutos
6 comentários:
Referem-se dois comentários de Do Miradouro que não precisam de se dizer mais nada!!!
De Casimiro Rodrigues, um comentário em que disse...
Caro João.
O PortugalClub.com e o www.portugalnoticias.com estão ambos bloqueados para mim. Minha caixa de endereços também, não posso enviar mensagem nenhuma. Foi um técnico representante da Brasiltelecom. Não me dão nenhuma satisfação. Vejo que o braço longo de lisboa chegou até aqui. Estou estrebuchando e vendo como consigo sair desta. ..... Casimiro
Caro Casimiro,
Critica-se o antigo regime por ter instituída, às claras, a censura, mas agora há várias formas obscuras de amordaçar as opiniões, e impedir a verdadeira liberdade de expressão.
Diz.se que antigamente, o Poder não queria que as pessoas estudassem a fim de poderem ser mais facilmente domadas, mas agora, controla-se tudo para que as pessoas não sejam esclarecidas sobre os mais importantes problemas do País e se preocupem apenas com as novelas e as coisinhas insignificantes mas tornadas mais espectaculares.
O «Big Brother» do George Orwell está aí em força como mostra o caso do Dr. Fernando Charrua.
Perante isto, caro Casimiro, o seu portal é valioso e espero que consiga encontrar forma de contornar esse bloqueio que lhe está a ser imposto.
Abraço
Aqui para nós, se "eles" sabem desta história, era uma vez mais um Tribunal. E este nem é do interior...
Abraço.
Mas, afinal esses ratinhos que escolheram o Tribunal da Boa Hora para assentar arraiais, não fizeram uma boa escolha porque morrerram de fome ou engasgados com papelada cheia de pó. Este incidente, deveria servir para pôr o Governo a pensar nas ratazanas que invadem as zonas pobres e degradadas de Lisboa, que comem o pouco que por aí encontram aproveitando-se até, às vezes da carne tenrinha dos bebés que dormem no meio da pobreza, da sujidade, da porcaria...que tristeza. O dinheiro que vai para o novo aeroporto (o da Portela bem arranjadinho até ficava bem bom), esse dinheiro deveria ser destinado para pensar na pobreza, mesmo antes de tratar dos ratos do tribunal...que se l... o tribunal.
Milai
Cara Milai,
Há realmente uma grande distorção no sistema de prioridades dos governantes, esquecendo-se que a sua acção primordial deveria ser em benefício da qualidade de vida dos portugueses principalmente dos mais carenciados, aqueles que não dispõem de capacidade para gerar a riqueza necessária para viver dignamente. Mas a Justiça padece de outro tipo de ratos, aqueles que impedem que ela se faça dignamente: como nos processos em que há gente rica: facturas falsas, casos de corrupção, fuga aos impostos Casa Pia, Apito Dourado, etc.
Um abraço
Caro João,
Os exemplos que acaba de me dar, são precisamente os que envergonham os homens bons deste País. Como podem circular, de nariz no ar, como se nada fosse com eles? Onde iremos parar com semelhentes vergonhas vindas de "cima". Acabei de ver no 2º canal a discussão que normalmente acontece na AR. Que grupo sempre sorridente... sorrisos sarcásticos, assobios para o ar, segredinhos ao ouvido do parceiro do lado... atitudes feias para quem se considera estar no topo.
Eu, por mim, sinto vergonha porque fui ensinada a respeitar o meu vizinho.
Milai
Cara Milai,
Ainda bem que não gosta de tais atitudes. Mas há muita gente que não repara no que isso representa de desprezo pelos cidadãos que pagam impostos para eles ali estarem esquecidos de que o seu dever é a defesa da qualidade de vida dos cidadãos.
Os nossos políticos não se candidatam para servir o País, mas para se servirem a si próprios e ao seu clã. Isto não é calúnia; é apenas a leitura dos actos e das atitudes que eles tomam publicamente. Não é preciso inventar, basta reparar no que eles dizem e fazem.
Beijinho
João
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