No post anterior, está um comentário que compara Sua Santidade a um pastor e acaba por fazer uma salada com Papa, Bush e deputados loucos. Isto merece uma reflexão muito participada pelo que aqui deixo uns tópicos para a polémica.
Sua Santidade não pode nem deve ser comparado a um qualquer pastor de gado, de qualquer região do País. As pessoas, crentes ou não, não são ovelhas nem cabras, pois são dotadas de livre arbítrio e, como tal, podem comportar-se como desejarem, usufruindo depois, dos benefícios resultantes das decisões acertadas e arcando com os inconvenientes das acções menos correctas. É isso que os mais fanáticos associam à ideia de pecado e de prémio ou castigo na vida do além.
O pastor de gado tem o dever de controlar totalmente e sem intervalos o seu rebanho, pelo qual é totalmente responsável, mas o Papa não tem a mínima autoridade sobre os seus crentes, não os pode controlar e impedir de errar, porque isso iria conflituar com a liberdade e o livre arbítrio de cada um, que é responsável pelos seus actos e, segundo a sua fé, por eles será julgado no além.
O Papa é um conselheiro, um dirigente espiritual, um inspirador do Bem, para aqueles que o desejam ouvir e aceitam as suas opiniões.
A Igreja não foi criada por Cristo e Este foi o único representante do Pai na Terra e não delegou tal função em qualquer mortal, em qualquer dos seus «irmãos». E a Igreja não tem sido um modelo de cumprimento dos ideais de Cristo, como facilmente se vê na opulência do Vaticano e de todas as catedrais do Mundo, o que acontece, aliás, em todos os lugares de culto das outras religiões. Esse fausto surgiu como fruto das fraquezas humanas, que levam a respeitar apenas o que é grande e rico, mas afastou-se imenso dos ideais de simplicidade e desprendimento aconselhado por Cristo.
Também o amor aos outros, como a nós mesmos tem sido muito mal interpretado e praticado, principalmente no respeitante à palavra OUTROS. Se esse conceito tivesse sido bem interiorizado, não teria havido as cruzadas nem a Inquisição. Nestes e noutros casos, os OUTROS não foram amados e nem sequer respeitados.
E, apesar das declaradas intenções ecuménicas, as religiões continuarão a ser rivais entre si porque os respectivos «pastores» não querem perder as suas mordomias, o seu poder, comportando-se como os líderes de partidos políticos, nas suas rivalidades interpartidárias e intestinas.
Não nos deixemos iludir por palavras enganosas. O pastor de ovelhas ou de cabras tem características próprias, diferentes dos líderes de pessoas, dos chamados condutores de homens.
Por fim, quando se diz que o Mundo está louco, tem de se enfrentar as realidades sociais globais desde as relações de trabalho, às estruturas políticas, passando pelo desporto e pelas religiões. Por exemplo, numa época em que muita gente se afasta dos cultos religiosos mais tradicionais, influenciada pelo materialismo laico, maior é, estranhamente, a adesão a seitas nascentes e também a busca na droga de solução para as dúvidas e angústias espirituais, para a crise existencial.
Parece imperioso o apoio da fé na pesquisa da solução para os problemas mais complexos que preocupam as mentes, mesmo as evoluídas, mas raramente ela é procurada na direcção mais adequada. O ser humano é demasiado complexo e não deve ser encarado como se de ovelhas se tratasse.
Posts anteriores sobre religião:
- Páscoa. Religiões. Reflexões
- Festa de Natal tem 4.000 anos
Duplo critério
Há 1 hora
8 comentários:
Acabou por escrever um belo texto.
Na realidade quando se fala em padre, fala-se num pastor, em sentido figurado, que tem por missão, evangelizar os homens -o seu rebanho-.
A Fé é algo que também se vai transfigurando...no meio do descrédito porque o povo passa.Aparecem por aí salões onde a troco de promessas -o povo anda aflito- se cobram taxas mais que moderadoras, poderão ser denominadas de taxas destruidoras.
A transformação dos ideais de vida, a mudança global, leva a uma grande reflexão.
Recebo quem me bate à porta e fico abismado com os que cá vêem com a Bíblia em nome do mesmo Deus, mas afirmando-se diferentes e contra a religião católica.Eles poêm gravata, elas vestem-se e pintam-se bem, e fazem as suas visitas apelidadas de pregação. Se falarmos fora do contexto da pregação, olhamos um mundo fechado, controlado e muitas vezes inculto.
Dá que pensar...
Zé Portucalem
Caro João Soares
Acredito que o Mundo seria muito melhor sem religiões. Mesmo partindo do princípio de que em algumas delas haja um fundo de verdade e bondade, a História demonstra que acabam por ser a causa ou a motivação para as mais bárbaras violências. Seja por culpa dos homens, seja por culpa dos seus deuses, o facto é que não tem sido a bondade que pesa no prato da balança.
Pelo que deixei aqui escrito, felicito o autor deste texto, com o qual me identifico inteiramente.
Caro Deprofundis,
Não deixei aqui convicções nem uma opinião, apenas dúvidas e palpites. Desde o início da História, o ser humano sentiu necessidade de religião, de algo acima dele que lhe pudesse dar resposta às suas dúvidas sobre os astros, a sequência das estações do ano, etc.
Criou religiões politeístas com um Deus para cada fenómeno. Mais tarde surgiram as religiões monoteístas. Como criações de homens, embora filósofos e sábios, elas não são perfeitas e sofrem dos erros humanos. Entraram na competição e os pastores, líderes ou condutores de homens fizeram a lavagem do cérebro dos seus seguidores, havendo alguns que levam jovens cultos a imolarem~-se por uma ideia de ódio, à espeta de terem á sua espera no além umas dezenas de virgens! O Deus único e bom que todas adoram permite-lhes que persigam os OUTROS, que seguem outro Deus. A competição pelo número de aderentes, como é comum em clubes de futebol, de sindicatos, de partidos políticos, etc. desprestigia as religiões a coberto das quais têm nascido seitas numerosas cada uma com os seus defeitos.
Mas mesmo assim, é preferível abafar as dúvidas íntimas no local de orações do que num antro de consumo de drogas e de álcool.
Sobre este tema pode gerar-se uma acesa polémica que, se for feita em termos civilizados e ordeiros será muito esclarecedora.
Um abraço
A. João Soares
Um excelente texto como é pratica neste espaço.
Eu pessoalmente sou a favor das religiões dado o fim terapêutico que têm ou deveriam de ter nas sociedade, por serem uma espécie de batente de muitos “males colectivos e individuais” tais como a dor, o desespero, a solidão ou mesmo a violência etc. O problema é o poder em que todas elas se podem transformar, desvirtuando os seus princípios que são re-ligar aquilo que está dissoluto.
É pois, neste ponto, que a meu ver reside o mal que muitas têm provocado à humanidade ao longo da história. Um mal que passa em primeiro lugar por quererem-se impor umas às outras nessa relação de primazia de mercado espiritual e domínio. Sentimentos como bondade, solidariedade, beleza e curar o espírito é afastado. Desvios que podemos ver no interior de uma mesma religião, com as suas facções e os seus grupos ou com os santuários a disputarem entre eles, as esmolas e clientela porque o seu santo é melhor que o santo dos outros santuários e faz mais milagres que os outros etc.. Na religião popular ( católica) podemos sentir isso nas aldeias com os padroeiros. Neste sentido a essência do mal, através das disputas internas, parece que reside no interior das religiões: elas são simultaneamente fonte do mal e do bem. Talvez por isso a necessidade de inventar o diabo para contrapor o deus ou inventar o inferno para contrapôs o céu.
Um abraço
António
Caro António Delgado,
Trata-se de um tema muito delicado, mas felizmente já suscitou comentários sérios e desapaixonados. Compreendo tudo isto e deduzo a importância insubstituível das religiões, não apenas para a paz espiritual das pessoas como até para uma boa convivência nas sociedades. Como exemplo, a intervenção da Igreja no ensino pode ser um exemplo de eficiência, desde que não se feche em radicalismos, que evite imitar as madrassas onde se desenvolve o ódio aos OUTROS.
Em todos os grupos humanos há o resultado das fragilidades do homem e as religiões não conseguem ficar ilesas. Mas, no cômputo geral, as vantagens são notórias, o que faz com que não desapareçam e, pelo contrário, se multipliquem. Mas esta multiplicação não é benéfica porque arrasta consigo o inconveniente da competição de cariz materialista. Um Deus único e uma religião única talvez fosse um bom contributo para a Paz no mundo.
Queiramos ou não, o homem sente necessidade desse apoio. Nem o desenvolvimento da ciência e da tecnologia lhe menorizam a importância, e fico sempre sensibilizado quando ouço o cientista Carvalho Rodrigues falar deSte assunto.
Abraço
A. João Soares
Caro João Soares
" ...é preferível abafar as dúvidas íntimas no local de orações do que num antro de consumo de drogas e de álcool."
Só para amenizar, achei piada ao raciocínio. A religião seria assim uma espécie de metadona...
Nem de propósito!
Acabei de ver na TV a batatada entre cristãos num dos lugares mais sagrados da sua religião, o santo sepulcro.
Eloquente, não?
Caro Deprofundis,
Essa da metadona está bem vista!!!
Outra visão do tema seria acreditar em milagres. Segundo o escritor Neale Donald Walsch em «Conversas com Deus», edição Sinais de Fogo, Deus não altera a ordem natural das coisas, não cai nessa incongruência e indisciplina de desobedecer aos seus princípios da criação.
Não se crendo em alterações às leis da física e da biologia, resta a hipótese da metadona, a nossa reconstrução dos nossos esquemas psíquicos.
Essa da batatada entre cristãos é própria das debilidades da natureza humana. Se Deus fizesse milagres e quisesse sobrepor-se ao livre arbítrio dos humanos, teria impedido que isso acontecesse.
Como pode o Mundo viver em paz se esses crentes chegam a essas violências em local sagrado!!!
Parece que isto vem dar razão a algumas reflexões do post.
Abraço
A. João Soares
Enviar um comentário