segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Estatuto dos Açores, solução absurda

Na Declaração sobre a Promulgação do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, em 29 de Dezembro de 2008, o Presidente da República confessa que teve de promulgar por imposição de norma constitucional, mas que se trata de uma solução absurda, como foi sublinhado por eminentes juristas.

Para disponibilidade permanente transcrevo todo o texto da Declaração:

A lei que aprovou a revisão do Estatuto dos Açores, que tinha sido por mim vetada, foi, no passado dia 19, confirmada pela Assembleia da República sem qualquer alteração.

Isto é, não foram acolhidas, pela maioria dos deputados, as duas objecções que por mim tinham sido suscitadas.

É muito importante que os portugueses compreendam o que está em causa neste processo.
Este não é um problema do actual Presidente da República.

Não é tão-pouco uma questão de maior ou menor relevo da autonomia regional.

O que está em causa é o superior interesse do Estado português.

O Estatuto agora aprovado pela Assembleia da República introduz um precedente muito grave: restringe, por lei ordinária, o exercício das competências políticas do Presidente da República previstas na Constituição.

De acordo com uma norma introduzida no Estatuto, o Presidente da República passa a estar sujeito a mais exigências no que toca à dissolução da Assembleia Legislativa dos Açores do que para a dissolução da Assembleia da República.

Nos termos da Constituição, a Assembleia da República pode ser dissolvida pelo Presidente da República ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado.

Para dissolver a Assembleia Legislativa dos Açores, o Presidente da República terá que ouvir, para além dos partidos nela representados e o Conselho de Estado, o Governo Regional dos Açores e a própria Assembleia da Região.

Trata-se de uma solução absurda, como foi sublinhado por eminentes juristas.

Mas o absurdo não se fica por aqui.

A situação agora criada não mais poderá ser corrigida pelos deputados.

Uma outra Assembleia da República que seja chamada, no futuro, a uma nova revisão do Estatuto vai estar impedida de corrigir o que agora se fez.

Isto porque foi acrescentada ao Estatuto uma disposição que proíbe a Assembleia da República de alterar as normas que não tenham sido objecto de proposta feita pelo parlamento dos Açores.

Quer isto dizer que a actual Assembleia da República aprovou uma disposição segundo a qual os deputados do parlamento nacional, que venham a ser eleitos no futuro, só poderão alterar aquelas normas que os deputados regionais pretendam que sejam alteradas.

Os poderes dos deputados da Assembleia da República nesta matéria foram hipotecados para sempre.

Como disse, não está em causa qualquer problema do actual Presidente da República.
A Assembleia Legislativa dos Açores, em 30 anos de autonomia, nunca foi dissolvida e não prevejo que surjam razões para o fazer no futuro.

O que está em causa é uma questão de princípio e de salvaguarda dos fundamentos essenciais que alicerçam o nosso sistema político.

E não se trata apenas de uma questão jurídico-constitucional. É muito mais do que isso.

Está também em causa uma questão de lealdade no relacionamento entre órgãos de soberania.

Será normal e correcto que um órgão de soberania imponha ao Presidente da República a forma como ele deve exercer os poderes que a Constituição lhe confere?

Será normal e correcto que a Assembleia da República imponha uma certa interpretação da Constituição para o exercício dos poderes presidenciais?

É por isso que o precedente agora aberto, de limitar o exercício dos poderes do Presidente da República por lei ordinária, abala o equilíbrio de poderes e afecta o normal funcionamento das instituições da República.

O exercício dos poderes do Presidente da República constantes da Constituição não pode ficar à mercê da contingência da legislação ordinária aprovada pelas maiorias existentes a cada momento.

Por que é que a Assembleia da República não alterou o Estatuto apesar de vozes, vindas dos mais variados quadrantes, terem apelado para que o fizesse, considerando que as objecções do Presidente da República tinham toda a razão de ser?

Principalmente, quando a atenção dos agentes políticos devia estar concentrada na resolução dos graves problemas que afectam a vida das pessoas?

Foram várias as vozes que apontaram razões meramente partidárias para a decisão da Assembleia da República.

Pela análise dos comportamentos e das afirmações feitas ao longo do processo e pelas informações que em privado recolhi, restam poucas dúvidas quanto a isso.

A ser assim, a qualidade da nossa democracia sofreu um sério revés.

Nos termos da Constituição, se a Assembleia da República confirmar um diploma vetado pelo Presidente da República, este deverá promulgá-lo no prazo de 8 dias.

Assim, promulguei hoje o Estatuto Político-Administrativo dos Açores.

Assumi o compromisso de cumprir a Constituição e eu cumpro aquilo que digo.

Mas nunca ninguém poderá alguma vez dizer que, confrontado com o grave precedente criado pelo Estatuto dos Açores, não fiz tudo o que estava ao meu alcance para defender os superiores interesses do Estado.

Nunca ninguém poderá dizer que não fiz tudo o que estava ao meu alcance para impedir que interesses partidários de ocasião se sobrepusessem aos superiores interesses nacionais.

Como Presidente da República fiz, em consciência, o que devia fazer.

4 comentários:

Luísa disse...

Haveria alternativa?
No desenrolar desta novela, muitas cenas foram criadas, escritas e reescritas...O fecho só podia ser este, não?

A. João Soares disse...

Cara Luísa,
Um grande escândalo nacional crónico é a prioridade que os políticos dão aos interesses pessoais e dos partidos, com desprezo pelos autênticos interesses nacionais. Os objectivos nacionais e os interesses do País deviam estar escritos de forma clara em documento oficial. Depois andam como loucos à volta de caprichos e banalidades, gastando energias de forma nociva para Portugal.
Outra situação escandalosa é a quantidade de assessores incompetentes que ganham fortunas e, quanto a eficácia, são uma nulidade. Os assessores do PR deviam ter preparado a comunicação ao Tribunal Constitucional de forma clara e completa, pois evitariam que, agora o PR, fosse criticado por fazer alegações que não constavam claramente dessa comunicação.
Também os crânios do PS deviam ter analisado todas as implicações da sua teimosia asinina, para evitar que a AR tivesse decidido contra os seus próprios interesses superiores. Foi uma confissão da sua inutilidade, colocando-se na dependência e subordinação à Assembleia Regional dos Açores.
E, desgraçadamente, a vida dos portugueses está dependente das posições que estes incapazes tomam de forma irracional e por mero capricho.
Beijos
João

Luísa disse...

Subscrevo totalmente...
E se avaliássemos a quantidade de assessores que se criaram, por esse país fora, para fazerem não sei o quê, com horários xpto, produtividade ZERO, e remuneração inversamente proporcional a estes factores...
Não será esse um dos males da estrutura financeira da gestão municipal?das empresas públicas criadas?
Ah!Ah! Apanhá-los será muito fácil.Basta a DGAp/DGAL quererem.

A. João Soares disse...

Querida Luísa,
As suas palavras são lógicas e com grande racionalidade. Mas a realidade não segue esses métodos positivos. Há uma razão para que isso aconteça, porque os partidos estão conluiados no processo que, em vez de escolher as pessoas por concurso público honesto, usa o compadrio. Os partidos agem como se fossem agências de emprego para dar ordenado aos seus familiares e jovens da família de amigos menos competentes para evitar que vivessem ociosos por não terem unhas para sobreviver na concorrência privada. Uma figura pública, na altura na CML, disse numa entrevista que os seus assessores não estavam ali por competência, mas sim por critérios de confiança política. Não esqueci porque uma tal confissão pública é rara num político.
A solução para isto seria, se os partidos quisessem, elaborar um diploma com a lista dos poucos cargos a preencher por escolha política e todos os outros serem por concurso público. E, depois, de definidas as respectivas tarefas, elaborar critérios de avaliação do desempenho.
E medidas semelhantes deviam ser definidas para os contractos com consultores, em que são sempre as firmas dos amigos que fazem centenas de «estudos» inúteis só para transferir dinheiro para as suas contas bancárias. Se quiser exemplos procure saber quantos estudos defendiam o aeroporto na Ota e quem os fez. Chegaria a lindas conclusões. Depois de todos esses doutos «estudos», fonte estranha ao grupo, acabou por demonstrar que o aeroporto ali seria um erro crasso.
Beijos
João