quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A miséria da televisão

Ontem à noite ao fechar o telejornal José Rodrigues dos Santos disse «se sente solidão, nós estamos aqui». Nós a RTP.

Um pouco antes tinha passado um dos momentos mais burlescos e ridículos que é possível ver-se em televisão, um concurso chamado o preço certo, espectáculo degradante em que adultos se transformam em crianças patetas, em que a única ideia é ganhar, ganhar, a única conversa é quanto custa, quanto custa e tudo com muitos risos idiotas e muitos gritinhos histéricos e saltinhos e ademanes, sem nexo nem propósito, uma paródia triste a macaquear emoção.

Durante o telejornal as reportagens sucediam-se, a puxarem ao sentimento, sobre a crise, e a falta de dinheiro e os pobrezinhos e os sem abrigo e o preço dos brinquedos e do que se come. Reportagens ocas, notícias de nada, informações de coisa nenhuma, apenas imagens a esmo e textos pindéricos. E José Rodrigues dos Santos fazia esgares e boquinhas a pontuar textos que legendavam com mais mediocridade ainda uma noite de televisão medíocre.

Foi no meio disto que ele surgiu. Barba crescida, roupa maltratada, a imagem do abandono. A ideia era mostrar que há pobreza e abandono. Que fazia ele na noite de Natal? Metia-se na cama. E ligava a televisão.

Compreende-se. Já que se vive na miséria, que nela se continue. Vê-se a RTP. Na noite de Natal.

Uma tristeza. É preciso não se ter vergonha na cara para oferecer esta degradação televisiva ao país e julgar que se faz serviço público: a penúria, o baixo nível, a pobreza, a ganância dos remediados, tudo feito farsa barata, mau entretenimento, péssima informação.

Publicada por José António Barreiros em «A Revolta das Palavras»

NOTA: Apesar de não ser cliente assíduo da televisão (embora com o risco de perder eventuais momentos com algum valor), vi uns segundos do programa referido por J. A. Barreiros e concordo com a sua opinião. Certamente, iria acabar por ver uns pedaços da programação da noite dadas as características do serão de Natal, mas algo estava preparado para me libertar desse suplício.

Felizmente, a nossa empregada, natural da Roménia, que, embora venha apenas três horas por semana, criou uma grande amizade com a minha mulher que tem extrema facilidade em criar afectos com toda a gente com quem contacta, e ao ver que íamos passar a noite em casa sozinhos, como um outro dia qualquer, convidou-nos para irmos jantar lá a casa, porque também ela e o marido não iam para a festa dos seus conterrâneos por estarem de luto pelo falecimento recente do pai.

Estava o casal e outro conterrâneo que com ele compartilha a casa. Embora a ementa do jantar fosse totalmente diferente dos nossos hábitos alimentares, o convívio foi muito interessante. E a televisão, ligada para um dos canais da TV romena, mesmo para quem não percebe romeno, foi muito agradável, com um programa adequado ao Natal, mostrando grupos folclóricos e corais de todas as partes do país, durante horas seguidas. Com bom nível artístico e que agradava aos naturais do país e também a nós, estrangeiros.

E já que falo desse convívio, aproveito para dizer que confirmei a opinião de que os imigrantes são muitas vezes dotados de um nível escolar e cultural superior ao da média dos portugueses.

Esta faceta dos imigrantes faz recordar um texto de Eça de Queirós sobre o valor e o espírito dos nossos emigrantes. Em artigo de Janeiro de 1972 (ver «Uma campanha Alegre», Editorial Enciclopédia. Lda, LI, pág.216) diz: «Em Portugal quem emigra são os mais enérgicos e os mais rijamente decididos; e um país de fracos e de indolentes padece um prejuízo incalculável, perdendo as raras vontades firmes e os poucos braços viris».

Nós que agora acolhemos imigrantes devemos muito a gente válida, com estudos, bom nível cultural e vontade de trabalhar que, vindo buscar poder de compra, deixa o fruto do seu trabalho. Claro, que há excepções devidas ao fraco controlo nas entradas que permitem a passagem de gente sem a mínima qualificação que vem apenas engrossar a mendicidade, a prostituição e outras actividades desviantes. Mas, aí, a falha é nossa, dos nossos serviços.

16 comentários:

Unknown disse...

Caro amigo João,
completamente de acordo, não era programa para se apresentar numa noite de Natal.

Continuação de Festas Felizes e um Próspero Ano Novo.

Beijinhos,
Ana Martins

A. João Soares disse...

Cara Amiga Ana,
Há coisas que são demasiado hostis ao meu desejo de optimismo e esperança no Portugal de amanhã. Há um vil desleixo na generalidade das pessoas e das instituições. Em vez de prepararem um programa adequado ao momento, foram ao arquivo da porca imaginação e tiraram de lá o que lhes apareceu, provavelmente por terem a luz fundida nesse compartimento e buscarem às escuras e o resultado foi trazerem lixo.
O profissionalismo de pessoas pagas a preço de ouro, como são os locutores do telejornal, ´é muito baixo. Em vez de dignidade, usam os trejeitos cúmplices, como se todos os telespectadores fossem uns boçais ignorantes.
Tudo isto está a precisar de uma «excelentíssima e reverendíssima reforma»!| Mas o povo não reclama de forma eficaz.
Abraço e Bom Ano
João

Daniel Costa disse...

João Soares

Concordo plenamente com o teu texto, muito bem fundamentado, como estou de acordo, com a texto de Acácio Barreiros. Perdem-se de facto bons momentos de televisão, mas a falta mas nota-se muita falta de imaginação. Então o aparelho fica bastante tempo calado, enquanto trabalha o PC, ou se procedem a leituras.
Sobre o General Alves Ribeiro, como tive outras experiências, achei que era o máximo a comandar. Com ele, sabia-se sempre com o que se contava, outros deixavam-se manipular.
Parece que o conheceste bem pelo, que é dito.
Um abraço,
Daniel

A. João Soares disse...

Caro Daniel,
Quanto ao Ramiro, para teres resposta à pergunta que me fazes, podes usar o meu e-mail (encontra-se no meu perfil). Não gosto de tratar aqui de assuntos, pessoais que são da minha privacidade e de amigos especiais. Sou o oposto dos políticos e dos elementos do Jet-set.
Um abraço
João

Daniel Santos disse...

fico contente por não ver televisão.

ANTONIO DELGADO disse...

Olá viva A. João Soares,

Estou fora de Portugal e hoje, depois de ler os mails passei pelo seu blog e ao lê-lo nao posso estar mais de acordo sobre o que expressa acerca da televisão. A televisão portuguesa, no meu ponto de vista é péssima e pode ser comparada com a maioria das televisões de alguns países da América Latina que só "imbecilizam" ou infantilizam os espectadores! No entanto, além da televisão, os outros media em Portugal, também não são melhores. A educação de um povo e o nível cultural e social de um país podem-se aquilatar pelos seus órgãos de informação e difusão dado serem o seu reflexo. No caso Português, ao poder instituído interessa-lhe, porque sabe que um povo pouco educado elege dirigentes pouco honestos e incompetentes. Estes escolherão os piores assessores. Sabem também que um povo pouco educado tolera a corrupção, enquanto que nos países mais educados as regras da democracia estão, por conseqüência, mais assimiladas e desenvolvidas, os seus políticos procuram ter a melhor formação possível, sem que seja “sine qua none”, feita em universidades de prestigio como Harvard, Sanford,Cambridge, Oxford, Sorbonne. Por cá é o que se vê: muitos dos que representam o poder são formados em universidades manhosas, sobre as quais todos já ouvimos contar muitas histórias... A psicose da “titulis” em Portugal é importante, mesmo que ela seja feita da forma mais ínvia. Só assim se pode insinuar pureza de sangue ou pedigree. O importante é impressionar! infelizmente boa parte da mentalidade lusa ainda não ultrapassou a fase do impressionismo.
Por falar em Eça, ando a reler algumas obras e foi motivo para mais uma degustaçao literária: “«O BEI DE TUNES». FUNDIBULÁRIO COM PINHEIRO CHAGAS, seguido de A SIR JOHN BULL”, sobre o patriotismo Português…É de rir e aconselho!
Também eu tenho uma colaboradora ucraniana que me ordena a casa 5 horas por semana. As adjetivações que faz à sua colaboradora romena são as mesmas que poderei utilizar para a minha: educação superior e muito sentido de responsabilidade, além de extremamente afável e comunicativa. Antes de eu partir, fez questão de trazer um pequeno presente e um bolo típico da Ucrânia para esta época. É uma melomana e traz-me musica do seu país. Costuma fazer-me perguntas sobre certos aspectos de Portugal e pela pertinência das observações e eu por nunca ter pensado neles consegue embaraçar-me.

Um abraço e continuaçao de bons dias
António Delgado

A. João Soares disse...

Caro Daniel Santos,
Olhe que não me sinto feliz por não ver televisão. Muito gostaria que a televisão merecesse a minha admiração e então eu veria. Vão longe os tempos em que havia um programa que ensinava a conduzir com segurança, outro que ensinava sobre agricultura, houve vários que ensinavam o idioma e a sua gramática, etc. A TV era um veículo de saber. Hoje, com o o ensino é muito eficaz (!!!), os órgãos de comunicação não precisam de se preocupar.
Abraço
João

A. João Soares disse...

Caro António Delgado,
Grato pela deferência para com este espaço de reflexão.
Lamento não ter ficado bem claro que o texto inicial é uma transcrição do post do Dr. José António Barreiros, o qual apoiei e reforcei com uma NOTA extensa.
Pelo retrato da nossa sociedade que o Amigo António Delgado muito bem pinta, vê-se bem que o problema é muito complexo devido aos vários factores que convergem para a situação actual e que, como são do interesse de vários actores, a alteração do panorama não se apresenta nada fácil.
Por onde começar? A poluição moral e a corrupção de todos os tipos, torna complicado o processo de recuperação por serem fortes e numerosos as fontes de resistência.
Chegámos a um ponto que nem uma revolução será eficaz, porque como se viu, os interessados no actual panorama, boicotam qualquer boa intenção como aconteceu no 26 de Abril.
Abraço
João

Luís Alves de Fraga disse...

Caro João Soares,
Para além de concordar com o que é dito e diz sobre a televisão portuguesa, especialmente a pública (que tem mais obrigações do que as privadas), tocou-me especialmente a vossa - sua e da sua Exma Esposa - simpatia, simplicidade e total ausência de arrogância ao aceitarem partilhar o jantar em casa da vossa funcionária imigrante (a qual espelhou o que é a vossa relação com ela).
A Democracia mostra-se com actos e o João Soares e a sua Esposa mostraram como são democratas, dando um magnífico exemplo a muitos que de tal se autoproclamam, mas estão distantes de o serem na verdade.
Aceite a minha admiração e respeito.

A. João Soares disse...

Caro Luís Alves de Fraga,
Por vezes dou comigo a pensar que as pessoas não respeitam as outras com o seu valor intrínseco, qualidades e defeitos, mas sim o seu carro, a sua gravata, o seu título.
E perdem contactos enriquecedores com pessoas que em ideias bem definidas, cultura, capacidade de apreciação daquilo que realmente tem valor.
Obrigado pelo seu apreço e a sua concordância.

Abraço com continuação das Boas Festas.
João

Luísa disse...

Profundo e reflexivo o seu pensar...
Com crianças em casa, a Tv tem que ser um aparelho de menos valor e que apenas nos serve quando queremos. O botão on e off será sempre accionado quando oportunamente as suas imagens nos desiludir.
A nossa melhor companhia serão sempre as pessoa: as novas e as velhas, as sádias e as doentes, as bonitas e as feias, as alegres e as tristrs. Serão sempre elas a justificar a nossa preserverança...
A TV, uso q.b.! O relacionameto interpessoal? Abuso q.b

A. João Soares disse...

Luísa Vilaça,
Os meus parabéns pelo seu critério selectivo no uso da televisão, evitando que as crianças sejam deturpadas na sua formação como pessoas sensatas, sabendo distinguir o que tem ou não tem valor real.
Obrigado pela sua visita e pelo comentário.
Cumprimentos
João

Anónimo disse...

Caro Sr J. Soares,
O país está em crise. O mundo está em crise. As instituições estão em crise.Os partidos estão completamente partidos. As televisões são o mero reflexo disto tudo.Sócrates ganhará as próximas eleições, pois em terra de cegos quem tem olho é rei!A Pátria parece que já nem existe. Ou ainda existe? Há crédulos. Eu como agnóstico acho que não!

A. João Soares disse...

Obrigado pela visita e pelo comentário.
Uma maneira de ver a actual situação. Muito pessimista e sem apontar uma luz ao fundo do túnel, sem indicar uma pista possível para o futuro dos actuais jovens.
E depois o que se passa? Quais as suas previsões? Que fazer?
Será que o seu agnosticismo o leva ao suicídio colectivo?
Tanto pessimismo, impede de ver uma solução possível!

Anónimo disse...

Caro João,
um orçamento fictício e a crise do estatuto dos Açores. O PS bem queria eleições antecipadas, mas parece que vai ter que fazer de conta que governa até ao fim.E depois terá de governar com o apoio deo PP -Paulo Portas-. Curioso é que em algumas localidades teimam em manter uma aleiança com o PSD para as autárquicas. Resultará? Acho que não.
Com um abraço
SC

Conflito institucional com episódio inédito

Cavaco vai pôr em causa Orçamento de Estado

O PR prepara-se para levantar obstáculos à promulgação do Orçamento do Estado, considerando que é uma ficção – dado que o próprio Governo já admitiu que não será cumprido nem nas receitas nem nas despesas
Num gesto inédito, o Presidente da República vai questionar o Orçamento do Estado para 2009. Cavaco Silva considera que o Orçamento assenta em números e previsões que deixaram de corresponder à evolução económica, como, aliás, o próprio Governo já veio reconhecer.
«O Orçamento está fora da realidade, tanto no que respeita à previsão de receitas como de despesa. Por isso, não faz sentido que seja solicitada a promulgação ao Presidente nestes termos», explica ao SOL uma fonte de Belém.
Depois da apresentação do Orçamento do Estado (OE) e das críticas feitas pelos partidos da oposição, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, admitiu que alguns dos dados podiam estar desactualizados, face à deterioração dos indicadores económicos.

A. João Soares disse...

Santos e Castro,
Não sei se nos conhecemos pessoalmente. Por vezes os apelidos só por si são enganadores!
A mescla de que fala é muito confusa e pode dar maiores fragmentações na malha partidária. Não teria o mínimo inconveniente se todos os partidos visassem o interesse nacional acima de tudo, mas isso não passa senão pela cabeça de inocentes e ingénuos como este utópico que agora martela as teclas deste teclado!
Se realmente o objectivo de todos fosse o bem do País e a qualidade de vida da população, até haveria vantagens na aliança de variados partidos porque os assuntos seriam decididos depois de todos apresentarem os seus pontos de vista, com uma óptica mais abrangente, sem as visões estreitas e exclusivas de um ou outro partido.
Procuro ver as coisas com uma réstia de optimismo, mas para isso estou a fazer um esforço que quase ultrapassa o limite das minhas forças!
Veremos a que profundidade vamos cair.
Abraço e votos de bom Ano Novo
A. João Soares