quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O 'agora' superficial

Instante e Verdade

No primeiro quarto do século XX apareceram na Europa os regimes de massas e encontraram uma oposição por parte dos individualistas do pensamento livre e solto. A “rebelião das massas” foi atacada com armas e palavras, até ao último quartel do século passado e esses sistemas foram vencidos e substituídos por outros regimes de massas; neles estamos mas não temos consciência.

Até à revolução soviética e a fascista italiana, as pessoas acreditavam que tinham ideias e propunham-se ter ideais. Eram movimentos muito fecundos em todos os domínios, literatura, política (artes plásticas, cinema e teatro), os séculos XIX e XX manejavam-se com ideias, pensamentos e interrogações. Os partidos, tal como as pessoas, tinham vida interior.

No presente viver não é integrar-se no tempo, mas deixar-se atropelar pelos seus furacões: a gritaria do momento. O presente transformou-se em cenário de um show vertiginoso que oferece apenas duas possibilidades opostas. Uma é a anomia, a passividade e a renúncia à interpretação. A outra é a participação pela embriaguez acelerada. Presentes estáticos ou velozes, mas nunca caminhantes. Hoje abjuramos da memória e da previsão do futuro. Elevámos o instante a verdade única no altar das pressas e do efémero, banalizando o seu culto à espectacularidade do nada, mas também e sobretudo pela ausência de uma sincronia e um espírito que aspire a compreender o seu tempo.

O caminhante do pensamento vê-se privado de caminhos a troco de ser tentado com auto-estradas (não é neutro o símile “auto-estradas da informação”. O grande sonho da comunicação já não é a biblioteca, nem sequer a videoteca, onde era possível demorar-se para observar os caminhos andados e os trechos a recorrer, como muito bem explicou Regis Debray.

Antepusemos a difusão das mensagens à informação das mentes, tudo em proveito da emoção instantânea procurada pela fusão da imagem-som. A Vídeo-Esfera vai abolindo em nome desse falso presente que é o “directo”, as velhas mediações simbólicas, (a palavra, o escrito) e com elas as abstracções, as ideologias, a politica e até as suas derivações institucionais (partidos, sindicatos, escolas).

Agora interessa ver rostos e não identificar identidades. Assistimos aos factos sem registá-los na experiência. O pequeno ecrã (televisão/internet) é a verdadeira instância de uma nova aprendizagem e a ilusão da presença criada pelo directo preenche toda a aspiração de sabedoria. Neste campo radical da civilização que Paul Virilio denominou “a estética da desaparição”, espreita um perigo sobranceiro para a liberdade individual e democrática do sujeito.

O “directo” na sua pressa representa a negação do eu que observa, evoca e compara; actua como um dispositivo externo mas ordenador das nossas vidas, que já não logram subtrair-se à lógica do imediato. Poderia dizer-se que ocorre e ocorre-nos só quando vem referendada pela câmara que estava aí no preciso momento, submetida pelo jornal à tirania do ultimo acontecimento, coadjuvadas pelo integralismo técnico de uns meios cuja máxima aspiração consiste em mostrar o poder da sua presença.

Com isto os regimes actuais de massas que utilizam a etiqueta de democracia descobriram a forma de nos fazer crer que se escolhe e pensa livremente, por cima das televisões, da imprensa adquirida em toda a sua verdadeira classe. Como se a comunicação social fosse o espaço onde se constrói o comum e este tivesse aí o valor de realidade. Neste tipo de regimes, a personificação simplifica o mundo e converte os acontecimentos em algo imputável. Aquele é mau o outro é bom e aquele o dono do mundo. Condensam-se os acontecimentos até reduzi-los a um homem, a uma paixão supostamente explicável, a uma grandeza personificada que se pode admirar ou a uma mesquinhez com a qual se excita a indignação colectiva como se tem visto.

Publicada por António Delgado em Ecos e Comentários

NOTA: Tenho aqui defendido que devemos viver intensamente «agora», porque é no presente que vivemos e somos ou não somos felizes, coisa que não deve ser adiada. Mas viver não deve transformar-se em ir vivendo. É conveniente ir além das aparências, das modas, da superficialidade, apreciar o SER e não endeusar o TER. Este texto da autoria de um professor universitário tem a qualidade que dele se espera e deixa entrever aspectos pouco edificantes das transformações da sociedade desde o início do século passado. Quero ter a esperança que os actuais adolescentes saibam recuperar os valores que os seus pais e avós deixaram estiolar e quase morrer.

O que parece certo é que a ideia não convive bem com o imediatismo, precisa de um tempo de incubação, como vinho fino do Douro. Não se desenvolve, antes se asfixia, com a velocidade da vida actual, a informação em pílulas em «fast think», o pronto a falar. E com a velocidade supersónica dos nossos dias, não se digere a ideia, não se compara, não se analisa a racionalidade e os sentimentos, as pessoas são apreciadas pela marca do carro e das roupas e não pelas ideias, pelo que são. Aqueles que estão a sonhar com um governo único mundial e a concentrar toda a verdade num único cérebro, deixando para os outros os slogans embrutecedores, serão os beneficiários desta «evoluçã0» A humanidade está em regressão. Se os dinossauros desapareceram rapidamente por um acidente natural, os seres humanos estão a desaparecer, como tal, lentamente pelo efeito da sua alienação e auto degenerescência.

4 comentários:

Zé do Cão disse...

meu Amigo João Soares (nada a ver com o marócas".

A Europa está doente, os falhados com pés de lã tomaram conta de tudo isto. E o Mundo parece não estar melhor.
Não antevejo nada de bom para o resta da nossa velhice.
Abraço

A. João Soares disse...

Caro Zé,
Nada de laços familiares ou ideológicos!
Quanto ao que me diz da Europa e do Mundo compreendo a sua preocupação. Mas vejo isso com naturalidade, com intemporalidade, isenção, apartidarismo e como se estivesse num «mirante» perto da lua a olhar para este globo que deveria ser azul com intervalos de verde. A nossa passagem por aqui é curta mas a humanidade, as sociedades perduram umas vezes melhor outras vezes pior.
O meu optimismo leva-me a crer que, dentro de poucos anos, isto vai dar uma volta muito grande, podendo ser traumática para muita gente, mas seria bom que o fosse apenas para os tubarões que têm causado este afundamento a que temos vindo a assistir.
Do meio dos actuais adolescentes hão-de surgir uma cabeças sensatas e brilhantes com coragem para implantar um sistema mais justo, equitativo e humano, para maior felicidae dos agora mais desprotegidos e abolindo as explorações por ignorantes imorais ambiciosos, como está a acontecer.
Esses jovens reconhecerão que os seus pais e avós deixaram descair a sociedade para o maior buraco do ponto de vista moral e ético e hão-de dar a volta a isto.
Se assim não for terão de vir uns colonizadores governar isto.
Seria bom meditar sobre o que ficou dito em Reforma do regime é necessária e urgente, onde há pontos polémicos que deveriam servir de reflexão séria e desapaixonada, com os olhos virados para o futuro de Portugal.
Um abraço
João Soares

Carlos Rebola disse...

Amigo A. João Soares

O texto merece reflexão, é pertinente.

Como o amigo referiu, a moda está tomar conta da vida humana. Uma consequência da sociedade de consumo, porque é moda usa-se e deita-se fora, a pressa destrona constantemente a moda anterior sem que nada seja apreciado para dar lugar á moda seguinte, pouco ou nada é analisado ou degustado como um vinho que se qualificou pela permanência (envelhecimento). A moda e a pressa contagiaram todas as áreas da vida humana (sociedade). Deseja-se cada vez mais o insaciável ter em vez do permanente ser.

Estou plenamente de acordo é urgente que se mude este sistema que aboliu a reflexão e a análise racional, caminha-se, corre-se, à máxima velocidade, afastando hipótese de que se possa ver o caminho percorrido, aquele que está por percorrer e a paisagem que o envolve.
Parar e reflectir é necessário, se tivermos tempo de travar sem grave acidente.

Um abraço
Carlos Rebola

A. João Soares disse...

Caro Carlos Rebola,
Seria bom que surgissem governantes sensatos que exibissem o culto da perfeição, que responsabilizassem os autores das decisões pelos efeitos delas. Com o sentido da responsabilidade, obrigariam cada um a Pensar antes de decidir, como aqui ficou escrito. Isso levaria a profundas reflexões antes de decidirem ao contrário de hoje em que se decide por palpite ou por capricho, sem cuidar dos resultados ou com a viabilidade do decidido. Quantas dezenas de leis e outros diplomas não chegaram a ser regulamentados, e aplicados na realidade, e quantos por incapacidade, nunca foram aplicados. Nas estradas continua a morrer-se, pior do que numa guerra, embora todos os anos saiam novas leis eivadas de sadismo das quais só sai mais colheita de multas, mas não aumentam a segurança dos utentes das estradas. A chamada LEI DAS ARMAS, é um aborto sem adjectivação, que ninguém cumpre e que não reduziu a criminalidade, pois esta até aumentou depois de a lei ser publicada, certamente por coincidência e por ineficácia dela.
Enfim, corre-se atrás de facilidades e da visibilidade da propaganda e não se pára para meditar a fundo nos problemas a fim de se obter a melhor solução.
Um abraço
João Soares