quarta-feira, 17 de junho de 2009

Um sinal de moralização

Hoje tive a grata surpresa de ver um sinal de que algo poderá estar a moralizar neste País. Refiro-me à notícia de que o ministro do Ensino Superior, Mariano Gago, defende concurso para entrar no politécnico. Segundo a proposta «os professores terão de aceder aos quadros através de concurso público, mesmo que estejam na instituição há anos e com doutoramento».

O ministro garantiu que "o nosso princípio é qualificar e garantir que só se entra em lugares de quadro por concurso e terminar com a contratação automática. Temos assumido a maior flexibilidade em relação aos prazos de transição".

Parece que surge a preocupação de se cultivar a excelência, acabando com as nomeações sentimentais, por confiança política e amizade, e se passar a recorrer sistematicamente a concursos públicos em que, honestamente, sem corrupção, se escolham os mais dotados e preparados, melhores em todos os aspectos.

Conheço pessoalmente dois portugueses docentes, nos EUA, ambos doutorados, um em Economia e outro em Física Nuclear. Enquanto não atingirem um determinado grau académico na estrutura do ensino, trabalham numa universidade, após concurso documental e análise do currículo, por um período de dois anos não renovável, findo o qual terão de concorrer a outra universidade que tenha necessidade, em qualquer ponto dos Estados Unidos. Um destes compatriotas, casado e tendo a mulher bem empregada na localidade da Universidade, mostrou interesse em mudar de profissão. Dado o conceito em que era tido na Universidade, prolongaram, a título excepcional o contrato por mais um ano, mas sem hipótese de ficar mais um dia.

Em reunião familiar e perante a realidade de que se mudassem de cidade ela perderia o emprego e os filhos teriam de mudar de escola e criar novos amigos. A alternativa seria ele mudar de profissão e continuarem na mesma cidade. Mas ele tinha que arranjar trabalho e chegou a incluir nas hipóteses possíveis, montar uma padaria de pão tipo português e italiano, muito procurado na região. Sem preconceitos, o objectivo era viver com dignidade e eficiência.
Porém, na procura de emprego, acabou por ser admitido na segunda empresa de um ramo de serviços com bons auspícios, mas apesar do seu doutoramento, teve de obter uma licenciatura adequada a à actividade, o que conseguiu em horas pós-laborais. Decorrido pouco tempo, a primeira empresa do ramo, vendo a sua eficiência, apresentou-lhe uma proposta que ele levou ao seu chefe directo, obtendo como resposta que aceitasse porque não podiam cobrir, mas que ficasse um mês para passar a pasta.

Na empresa seguinte fez um trabalho de tal rigor e eficiência que a empresa anterior acabou por ir buscá-lo com uma proposta que a melhor do mercado não pôde cobrir.

Este exemplo mostra bem a ausência de preconceito na visibilidade do trabalho feito, pois pode ser-se bom até a produzir pão, mesmo sendo doutorado e com experiência docente universitária, e evidencia que o sistema de concurso permite obter os melhores colaboradores e criar-lhes estímulo para uma evolução permanente, mostra ainda que o mérito e a excelência acabam sempre por ser compensados e que a flexibilidade de emprego não prejudica as relações entre dirigentes e dirigidos, que se respeitam mutuamente.

Porém, receio que em Portugal não haja «vontade política» para evitar contratos assentes na «confiança política» e passe a fazer assentar as nomeações no resultado de concursos abertos com transparência e honestidade, por forma a escolher os melhores para cargos públicos, a fim de os dinheiros resultantes dos impostos sejam geridos de forma adequada aos interesses nacionais. Os nossos políticos não estarão dispostos a alienar os seus privilégios de serem agência de emprego para familiares e amigos, e as jotas, mesmo que sem os requisitos mínimos em preparação e vocação para o lugar.

2 comentários:

Unknown disse...

Caro senhor A. J. Soares,

No ensino politécnico, existem várias realidades: há escolas muito boas e escolas muito más, tal como no universitário.

Nas escolas muito boas (por exemplo o ISEP), há muitos docentes equiparados (cerca de 80%) que durante anos dedicam-se a ensinar (ocupando uma posição de serviço permanentemente necessário) e, em paralelo, dedicam-se também à sua formação de pós-graduação em acções de investigação. É normal um assistente pagar o mestrado do seu bolso, algo que não acontece com um assistente universitário. É normal um mestrado demorar mais do que 2 anos (não falo dos novos mestrados integrados), e um doutoramento demorar 5 a 7 anos em vez dos três, quando se tem de acumular com o serviço docente. É normal trabalhar-se aos fins-de-semana e nas férias. É normal ser-se Equiparado a Assistente tendo obtido o doutoramento há anos. É normal de 2 em 2 anos não sabermos se o contrato vai ser renovado (sim, ao contrário do que o ministro pensava, a renovação não é automática, o que é automático é o despedimento, tal como no seu exemplo americano). É normal haver 10 candidatos com doutoramento para uma única vaga de Equiparado a Professor Adjunto. É normal não se conseguir produzir 10 artigos por ano por se partilhar a investigação com o exercício da docência.

Eu entrei para Equiparado a Assistente no ISEP, concorrendo a um anúncio. Não conhecia uma única pessoa nessa escola, e não tinha uma "cunha". O concurso não foi "público" porque não era para uma posição do quadro. No entanto tenho dado o meu empenho e esforço ao longo dos anos a essa instituição, confirmado pelos resultados dos inquéritos pedagógicos preenchidos pelos alunos a quem lecciono as minhas aulas. Faço investigação num centro (no ISEP) que foi classificado como EXCELENTE pela FCT. No mesmo centro, há investigadores estrangeiros profissionais que produzem mais artigos do que eu, porque se dedicam somente a essa actividade. No entanto, é normal os artigos escritos por investigadores-docentes serem aceites em revistas de referência e em conferências cuja taxa de aceitação se encontra abaixo dos 30%.

No entanto, quando o meu lugar for colocado à disposição em concurso internacional, é muito natural que eu seja substituído por outra pessoa, independentemente da dedicação que tenho dado ao longo do tempo, porque eu sei que é possível encontrar "melhor", com mais produção científica. Nós, os descartáveis, conhecemos quem é "melhor" do que nós porque trabalhamos com eles. São os investigadores bolseiros cuja única preocupação é escrever artigos, e que conseguem gozar os fins-de-semana e férias, porque não têm a maçada de preparar aulas, atender alunos, avaliar trabalhos, corrigir exames, atender os alunos que querem ver a correcção dos exames, etc.

Efectivamente, não sei se o senhor ministro quer colocar os melhores... acho apenas que o senhor ministro quer encontrar posições para os doutorados-bolseiros que tem gerado nestes últimos anos, e que não têm a humildade e a ausência de preconceito que refere no seu artigo de opinião para criar uma empresa ou meter mãos-à-obra numa outra actividade.

Sim, nós os docentes do politécnico é que somos os calaceiros que arranjámos um tacho pela filiação partidária e compadrios, e só queremos é estar quietinhos a receber o certo todos os meses!... Tenha piedade!...

A. João Soares disse...

Caro António Barros,
Os meus cumprimentos pelo que relata da sua experiência que vem ajudar muito os visitantes deste blog a compreenderem as peculiaridades de uma situação que não é tão linear como poderia parecer.
É pena que o ministério não procure compreender e tomar em devida conta as diversas situações existentes na realidade dos docentes. Contrariamente ao que seria desejável, existem interesses em jogo, não explicados, que levam à criação de injustiças e arbitrariedades indesejáveis.
Desejo que continue com a sua dedicação ao ensino e que vá estando atento para reagir às injustiças de que for alvo.


Abraço
João