Nas sociedades tradicionais africanas o soba, responsável máximo da tribo, antes de tomar decisões importantes para a colectividade a que preside, tem o cuidado de se aconselhar junto do «conselho de sábios», constituído pelos idosos, ou melhor os velhos, que já não podem trabalhar mas que têm larga experiência da vida e muito tempo para meditar serenamente nos problemas existenciais da sua tribo.
Quando se fala nisto há muita gente que considera isso como um sinal de atraso dessas sociedades que ainda não conhecem os efeitos da modernidade. Porém, uma observação mais atenta das notícias que nos chegam conduz-nos a concluir que muitos responsáveis por cargos supostamente de grande relevância, andaram todo o tempo do seu mandato a leste das realidades e, só depois de saírem ou quando estavam em vésperas de sair, é que se aperceberam dos sérios problemas que deviam ter resolvido e das decisões erradas por não terem sido devidamente ponderados e aconselhados.
Parece anedota mas não é. O ex-Presidente da República, depois de ter abandonado o cargo apareceu nos meios de comunicação social a emitir opiniões com um calor que não se lhe conhecia antes, como se apenas agora se apercebesse da existência dos problemas. Havia quem comentasse que ele estava com dificuldade em despir o casaco de Presidente. E não é só ele, acontecendo coisa um pouco parecida com Clinton e com Al-Gore.
Casos reais mostram que os sábios, depois de se libertarem das amarras da hierarquia que os condiciona, sabem raciocinar melhor, com maior clarividência e lucidez, conseguindo ver aquilo que todos, então, acabam por achar natural e lógico e que até aí eles não conseguiam ou não tinham coragem para descortinar. Seria, por isso, de todo conveniente a criação em cada instituição de conselhos de sábios, de velhos ou de seniores, que pudessem, em cada instituição, facultar pareceres aos responsáveis pela gestão diária dos problemas, à semelhança do que se passa nas tribos africanas.
Pela minha experiência de professor em regime de voluntariado em academias para a terceira idade (UITI, Academia de Seniores de Lisboa e Academia Saudação), posso afirmar que, entre os idosos, há velhos com espírito jovem aberto à aprendizagem, com grande sedimento de experiência, e notável capacidade de emitir opiniões muito sensatas e válidas para a resolução de problemas de todos os tipos.
Acerca destas ideias que expus em blogue há perto de três anos e a propósito de um post no Sempre Jovens «A velhice não existe…» referi em comentário o seguinte:
Já aqui debatemos essas suas ideias e é oportuno expor novamente as minhas. Não sei que ideia faz de mim, que conhece apenas pelos textos e opiniões que exprimo. Raramente transcrevo um texto alheio sem lhe acrescentar uma nota que leve a minha assinatura.
Mas sou um «velho», não no sentido de idoso, usado no Bilhete de Identidade, porque idosos são todos os que não morreram antes. Há muitos idosos que não são velhos, não o conseguem ser, não têm esse privilégio da luz no olhar, da sabedoria acumulada, da humildade de procurarem saber mais, do incansável desejo de reflectir em tudo o que os cerca.
Aquele que Camões definiu como Velho do Restelo, não era um idoso, muito menos um caquético, era um monte de sabedoria da vida, da prudência, da sensatez. O velho é isso, embora, por vezes, possa ser demasiado prudente o que lhe pode tolher a ousadia.
O «sempre jovem» é o verdadeiro velho que não recusa a mudança para melhor, que não pára de reflectir nas lições e de, com elas, procurar construir um futuro melhor.
Sou velho, gosto de o ser, e gostarei de vir a ser mais idoso para poder ser mais velho.
É um preconceito, uma vacuidade, ter medo das palavras.
Ontem arrepiei-me, quando numa passagem em frente à TV, ouvi um líder partidário dizer CONTRATUALIZAR. Fui ao dicionário e não encontrei e pensei que ele se quisesse valorizar ao trocar a palavra CONTRATAR, por outra mais comprida, mais extensa, mais imorredoura!!! Parvoíces que não caem bem num político que muita gente considera ser culto, inteligente e com dom da palavra.
Dos comentários de um antigo post atrás referido retiro o seguinte:
Alexandra Caracol disse:
Isso foi o que sempre defendi.
Não existem cursos no mundo inteiro que cheguem aos pés da sabedoria adquirida como aquela que se obtém com o passar dos anos. Por isso, desde criança, sempre que tinha uma oportunidade de ouvir os “mais velhos” falarem e contarem coisas que para mim eram novidade, eu não trocava por nada.
Os atrasados, quanto a mim, não são aqueles lá nas tribos de África que respeitam quem tem mais idade, ouvem e praticam os seus conselhos, são antes os que, muitas vezes, ainda não saíram das “fraldas” e já acham que sabem tudo.
E é também por isso que Portugal jaz na ignorância, pois em vez de ouvir aqueles que já passaram por muito, acham sempre que o sinónimo de idoso é “estar ultrapassado”.
Pobres de nós quando denegrimos as origens, as tradições, esquecendo-nos que nas raízes temos os alicerces.
Não sou contra a inovação, mas sou contra o desapego total pelas coisas boas que se construiu no passado. Com sabedoria (em grande medida pertença dos mais velhos) podemos estabelecer a ponte entre o ontem, o hoje e o amanhã. Tenho 42 anos e agradeço a todos aqueles que sendo mais velhos que eu (ou não) me ensinaram permitindo que eu crescesse em conhecimento e em sabedoria, e convido a todos aqueles que quiserem continuar a ensinar-me coisas construtivas, que o façam.
Na sequência deste comentário fiz um aditamento:
Em conversa sobre este texto com o meu amigo Taborda S, e perante a minha pergunta sobre o que impede os detentores de cargos de responsabilidade de verem as soluções dos problemas em tempo útil e de só acordarem para elas quando cessam funções, respondeu-me que não se trata de não verem mas do receio de hostilizarem o «patrão» a quem dedicam obediência, conivência, cumplicidade e gratidão pelo lugar que ocupam, sentindo-se na obrigação de não ir de encontro aos seus desejos e propósitos, agindo com acentuada cobardia, como «yess men», mas que, ao sentirem-se livres desses receios, apressam-se a soltar aquilo que recalcaram durante as funções.
Porém, se isto não evidencia dignidade e honestidade moral, é pior o caso de, à última hora, decidirem muita coisa para as quais não tiveram coragem durante as funções, com falta de lealdade para com o substituto que irá ficar com a batata quente nas mãos. Pretendem dar razão ao ditado «atrás de mim virá quem bom de mim fará».
Ao dizerem ao chefe o que ele quer ouvir e não as realidades palpáveis a exigirem decisões corajosas e inovadoras, evidenciam falta de honra e idoneidade, cobardia, subserviência, e conivência com a má gestão dos interesses nacionais.
A opinião dos velhos, descontando eventual saudosismo e apego ao passado, representa isenção, sensatez e fruto da experiência, evitando erros grosseiros. Mas atenção, para este efeito, não se considere velho como sinónimo de idoso, sénior ou caquético. Em todas as idades há tontos e imbecis.
A Decisão do TEDH (295)
Há 4 minutos
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