Transcrição:
A grave doença
Correio da Manhã. 28 Novembro 2009. Por Octávio Ribeiro
No discurso cada vez menos racional e mais emotivo de destacadas personalidades da vida política nacional ficam bem claros os sintomas da grave doença por que passa o regime.
Os argumentos favoráveis à opacidade em construção oscilam perigosamente entre o formalismo legalista e a ladainha lamecha.
Lei é lei, certo. Mas acima do emaranhado das normas ordinárias, feitas cada vez mais à medida de efémeras conjunturas, está a Constituição.
Que ainda estabelece a soberania do povo expressa pelo voto. E daí retira a exigência de transparência na vida pública vertida no direito à informação. Vida pública não é só propaganda, discursos ou inaugurações. É também, nos detentores do poder, qualquer acção ou omissão com reflexo relevante na comunidade nacional.
Se os cidadãos deixarem de ter acesso à informação relevante, de que serve o princípio da igualdade que dá a cada português um voto na contagem da vontade colectiva? Se não tivermos o direito a conhecer os contornos dos candidatos a governar-nos, votamos com base em quê? Nos marqueteiros que vendem programas políticos feitos para incumprir? Na melhor maquilhadora? No melhor leitor de teleponto?
Na sociedade portuguesa, a defesa do segredo em torno de corrupções e outras manipulações alastra na medida inversa da capacidade para criar riqueza, atrair investimento e suster a dívida externa. Como se um facto não levasse aos outros.
Da justiça à política, da economia à finança – com a elite presente estaremos condenados a ficar cada vez mais pobres. No bolso e na alma.
Octávio Ribeiro
NOTA: O autor coloca a tónica na necessidade de o eleitor dispor de informação que lhe permita exercer o direito do voto nas urnas. A sua opção, para ter valor intrínseco, tem que apoiar-se numa opinião bem fundamentada sobre o valor relativo dos candidatos. A ausência desse conhecimento acabou por ficar bem evidenciado nas últimas eleições em que o partido que formou governo recebeu apenas um quinto, pouco mais de 20 por cento dos votos possíveis. A abstenção foi a grande vencedora, o voto em branco atraiu mais leitores do que o sexto partido, o voto nulo também atingiu grande quantidade.
Tal formação do eleitor para votar em consciência não se consegue com segredo, com falta de transparência e de esclarecimentos isentos e imparciais.
O autor refere que o corpo legislativo é um emaranhado de normas ordinárias, feitas cada vez mais à medida de efémeras conjunturas, e a um nível superior está a Constituição. Mas não podemos esquecer que a própria Constituição foi feita à medida de uma conjuntura efémera e, acima dela, estão os interesses nacionais que não podem ser esquecidos com prejuízo para todos os portugueses. As gerações futuras e mesmo as de hoje não podem viver oprimidas por uma lei cozinhada por interesses partidários de uma data que nada tem a ver com o presente e menos com o futuro. As normas devem servir os cidadãos e não o contrário. A sociedade, como corpo vivo, está em evolução permanente e o normativo que a condiciona deve ser coerente e adequada às necessidades dos cidadãos.
Mas as normas não podem ser criadas por capricho, é indispensável pensar antes de decidir, antes de aprovar textos confusos muitas vezes condenados ao esquecimento e desprezo.
A Decisão do TEDH (396)
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