Embora vivendo à sombra da falsidade, ou talvez por isso, a verdade, como o azeite, vem à tona de água. A notícia a seguir transcrita poderá ser uma de muitas que virão a público, mesmo sem um serviço eficaz como a do WikiLeaks. A mordaça está a perder a força da coesão dos cúmplices e coniventes, porque a ambição que os move não conhece lealdade ao espírito de grupo e procuram não comprometer o futuro para poderem continuar os seus objectivos pessoais, mesmo que tenham de vender a alma ao diabo com incoerências e contradições, numa táctica de «vale tudo» desde que o enriquecimento continue.
Tribunal de Contas aponta despesismo e prémios injustificados na saúde
Público. 03.01.2011 - 12:19 Por Romana Borja-Santos
Auditoria ao Serviço de Utilização Comum dos Hospitais
Despesismo, prémios injustificados, falta de estudos fundamentados e desrespeito pelas regras da concorrência. Estas são apenas alguns dos problemas apontados numa auditoria do Tribunal de Contas às aquisições de bens e serviços das instituições do Serviço Nacional de Saúde através do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), que foi criado em 1965 com o objectivo de rentabilizar o rendimento económico dos hospitais.
“O objectivo principal da auditoria foi a avaliação da racionalidade económica da actividade desenvolvida pelo Serviço de Utilização Comum dos Hospitais ou por entidades por ele participadas relativamente a entidades do sector público e, acessoriamente, a análise da legalidade e regularidade dos procedimentos”, lê-se na auditoria do Tribunal de Contas.
No relatório, a que o PÚBLICO teve acesso, o Tribunal de Contas (TC) salienta em concreto os prémios atribuídos a três directores comerciais desta central de serviços no biénio 2007/2008, que ascenderam a quase 130 mil euros, e critica o pagamento de despesas com viaturas que não eram utilizadas para fins exclusivamente profissionais. Ao todo são 25 carros, alguns com “cilindrada superior a 2,0 e igual ou inferior a 2,7” e “valores de renting mensais entre os 800 e os 1150 euros e sem limites anuais de despesas com a utilização de viaturas”. Destaca-se também 11,7 mil euros distribuídos a outros colaboradores e 12,5 mil dados “a título de trabalhador do ano a um dos directores comerciais” que já tinha sido premiado.
Prémios sem objectivos cumpridos
Segundo o TC, não faz sentido atribuir prémios de cobrança de dívidas, como fez o SUCH, já que “que aproximadamente 90 por cento do volume de negócios (...) respeita a entidades públicas” sendo “o risco de incobrabilidade de dívidas muito reduzido, apesar dos elevados prazos médios de pagamento praticados, pelo que a atribuição de prémios de cobrança não acautela a boa gestão dos recursos, redundando num despesismo injustificado”. Os responsáveis pela auditoria salientam, ainda, que o prémio anual atribuído aos directores comerciais “representa o equivalente a aproximadamente 5 meses do respectivo salário base, o que não pode deixar de se considerar excessivo” e criticam prémios pagos quando os objectivos contratualizados não foram alcançados.
A auditoria permitiu também perceber que os custos com as remunerações pagas aos membros do conselho de administração do SUCH cresceram mais de 50 por cento entre 2006 e 2008, para quase 1,4 milhões de euros, e que os abonos de despesas de representação foram pagos com valores superiores aos das categorias dos gestores e 14 vezes por ano em vez das 12 estipuladas, sem que nunca tivesse havido qualquer deliberação da comissão de vencimentos.
Para o TC os responsáveis “não acautelaram a boa gestão dos recursos do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, redundando num despesismo injustificado, que não encontra sustentação no seu fim estatutário – ‘tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente dos seus associados’ e não contribui para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde”. Além disso, este tipo de gestão fez com que a próprias contas do SUCH derrapassem e com que o endividamento por via do crédito crescesse: os resultados líquidos foram negativos em 4,4 milhões em 2008 e em cinco milhões em 2009.
Princípios da concorrência esquecidos
Além disso, nas suas conclusões, a auditoria sublinha que “nas aquisições de bens e serviços ao SUCH, as entidades públicas associadas, nem sempre têm aplicado o regime jurídico da contratação pública e garantido os requisitos gerais para a autorização da despesa, nomeadamente os da economia, eficiência e eficácia, o que não tem contribuído para uma gestão criteriosa dos recursos públicos”. E acrescenta: “Nenhuma das entidades públicas aderentes dos serviços partilhados de gestão de recursos humanos efectuou estudos que fundamentassem a decisão de adesão àqueles serviços, fundamentando-se apenas em estudos da entidade adjudicatária onde eram evidenciados acréscimos de custos, para o Erário Público, com as referidas adesões.”
Desta forma, ao contrário do que seria esperado, “a mediação do SUCH (...) nem sempre garantiu os princípios que norteiam a concorrência e que contribuem, também, para a boa gestão dos recursos públicos”, verificando-se “a execução de contratos públicos por entidades participadas pelo Serviço de Utilização Comum dos Hospitais e por outros operadores económicos privados, sem sujeição ao regime jurídico da contratação pública”.Como exemplo desta falta de transparência, o TC refere que até à implementação do modelo de valorização económica de propostas, em Setembro de 2009, os directores comerciais do SUCH “gozavam de ampla discricionariedade na fixação dos preços de comercialização dos serviços”, pelo que os preços propostos para a prestação de um determinado serviço “baixavam quando as entidades públicas consultavam o mercado e as margens de lucro das propostas comerciais eram definidas casuisticamente.” A auditoria fala de um caso concreto em que o SUCH baixou em 40 por cento o valor da proposta (de 97 mil euros para 69 mil) para igualar a proposta de uma empresa concorrente e, assim, conseguir a adjudicação do serviço.
Foto de Paulo Pimenta (Público)
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