Transcrição de artigo:
O desemprego cor-de-rosa
Jornal de Notícias. 18-02-2011. Por Pedro Ivo Carvalho
Coloco-me no lugar de um ministro (hipótese altamente académica) e interrogo-me: se me questionassem sobre o número de pessoas que, todos os dias, engrossa a fileira dos desempregados, qual seria a minha resposta?
Franziria o sobrolho e, num acto condescendente, limitar-me-ia a expressar solidariedade para com eles, garantindo a minha enorme preocupação?
Atiraria as responsabilidades para a conjuntura económica, sublinhando que tudo o que podia ser feito pelo poder político o foi?
Ou seria optimista ao ponto de escolher os números que me eram mais favoráveis e, dessa forma, fazer notar ao Mundo que o Governo não se verga ante os caprichos da realidade?
A ministra do Trabalho, Helena André, e o secretário de Estado do Emprego, Valter Lemos, conseguiram fazer tudo isto num só dia. Diz a primeira que o número de desempregados "não tem nada a ver com o insucesso dos programas de políticas activas" (deve ter-se olvidado dos cortes salomónicos nos apoios sociais) e que a realidade até demonstra que os inscritos nos centros de emprego têm vindo a cair todos os meses.
Diz o segundo que a redução no número de inscritos em Janeiro "poderá ser o indício de uma inversão de tendências". E que "é melhor começar o ano de 2011 com uma boa notícia" do que o contrário.
Acontece que as boas notícias são estas: de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), que é quem reporta a taxa de desemprego a Bruxelas - e não o Instituto de Emprego e Formação Profissional, de que se serve, tão habilmente, Walter Lemos -, todos os dias vão para o olho da rua 225 pessoas; 2010 foi o pior ano de sempre; há mais de 75 mil portugueses com curso superior sem emprego; e, se quisermos ir mesmo ao fundo do problema, concluímos que a taxa real de desemprego atinge, na verdade, os 13,4%, num total de 747 mil pessoas.
Ora, perante isto, qualquer responsável político devia sentir pudor em dizer o que quer que fosse. Porque tudo o que possa dizer resume-se ou a paternalismo saloio ou a tacticismo covarde. Estar calado é a melhor maneira de falar.
Ter declarado o fim da crise foi anedótico, conseguir encontrar boas notícias na falência pessoal de mais de 700 mil pessoas é apenas irresponsável. Aqui não há lugar a visões cor-de-rosa da realidade. Porque ela é negra. Digam os disparates que disserem.
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