Políticos e decisões da AR
(Publicado em O DIABO de 7 de Fevereiro de 2017)
Recordo uma leitura de Eça de Queiroz que criticava um cidadão por querer candidatar-se ao parlamento sem ter fortuna que lhe permitisse viver com boa qualidade sem precisar de mamar na teta do erário. A política, no seu conceito, era um serviço público, de generosidade, próprio de ricaços que podiam a ela dedicar-se à custa dos próprios meios. Hoje, tal actividade nada tem de generosidade e pouco tem de patriotismo, tendo-se tornado numa forma de vida fácil e bem remunerada, sob diversos aspectos. É vulgar ouvir-se que o objectivo que leva um mau estudante a ingressar em tal «carreira» é o desejo de grande enriquecimento, em curto prazo e por qualquer forma, o que é garantido pela imunidade e impunidade, facilitada pela exagerada tolerância dos contribuintes que receiam denunciar actos de corrupção e outros vícios parecidos e pela complacência da Justiça. Não há conhecimento de notícias de ex-políticos a viver com privações.
Costuma dizer-se que têm a faca e o queijo na mão e não vão limitar-se a comer apenas pão. E para adquirir habilidades têm convívios de verão, a que ostensivamente chamam universidades de verão, em que confidenciam truques usados pelos mais experientes e assim acamaradam e se tornam cúmplices e coniventes, dispostos a encobrirem-se e a denunciarem e achincalharem os que estão no governo, ou vice-versa.
Acerca de tais habilidades, li há dias uma crítica ao Presidente da AR, segunda figura da hierarquia o Estado, por decidir não prolongar, ad eternum, uma comissão de inquérito parlamentar, alegando nessa crítica que o inquérito iria informar os portugueses de erros cometidos na CGD. Mas, na realidade destas comissões nada de benéfico tem decorrido para a informação dos cidadãos, como se constatou no caso do Inquérito ao BES, que durou vários meses, e não foi conhecido nenhum resultado obtido para benefício dos portugueses, compensador da despesa feita pelos deputados. Houve certamente, benefício para os deputados que faziam parte da comissão e recebiam pelo tempo nela investido. Residia aí o desagrado do queixoso de o inquérito à CGD não ser prolongado, mesmo com risco de contribuir para o aumento do défice orçamental e da dívida pública.
Esquecem ou nem querem pensar nisso, que Portugal é um país pobre e submerso numa crise prolongada, não tornando aconselháveis tentações de ostentação de riqueza fictícia. Quando chegam ao nosso conhecimento dados sobre as condições de trabalho e de alojamento de deputados do Reino Unido e de vários Estados nórdicos, não podemos ficar felizes com as habilidades, as vaidades e as ambições dos nossos roedores e estimação.
Há dias, um amigo dizia que a quantidade de deputados devia ser reduzida a metade da actual. E que nem se trata da proporcionalidade com a população ou com a área ou com o PIB do país, em comparação com alguns países europeus, mas sim pelo pouco tempo que utilizam para analisar os problemas nacionais, as condições de vida da população do interior em despovoamento acelerado e da qualidade de vida de muita gente nos subúrbios das grandes cidades. Não se vê neles interesse na reorganização de sectores obsoletos e com demasiados penduras em tachos inúteis, a sugar o erário sem resultados vantajosos para o público. Mas desperdiçam tempo a criticar o Governo, de forma negativa, destrutiva, demolidora, quando esse órgão de soberania deve ser apoiado com críticas construtivas e sugestões de soluções consideradas vantajosas para bem de Portugal. Tal apoio, é dever de todo e cada cidadão, com os respectivos meios, e a oposição, feita de cidadãos, não deve considerar-se dispensada de tal colaboração.
Há quem ache muito interessante que anualmente seja publicada a quantidade de decisões tomadas na AR e os temas nelas abrangidos e que conste a percentagem das propostas que lhes deram origem referentes a cada partido. Por exemplo, das propostas votadas e aprovadas 20% eram do partido X, 30% eram do partido Y, etc. Isto poderia servir de estímulo para fazerem mais trabalho útil e ara facilitar a propaganda eleitoral que não precisaria de palavreado fantasista, porque demonstraria resultados obtidos em benefício do cumprimento da sua principal missão perante a Pátria.
Embora já tendo o texto praticamente terminado, não quero deixar de referir uma lição de grande interesse. A resolução do problema da TSU que tanto prazer deu à oposição ao querer triturar o Governo, acabou por ter uma solução obtida rapidamente através de conversação com os parceiros sociais. É mais um facto que demonstra que o diálogo e a negociação são mais fáceis, com pessoas racionais, com experiência da vida e com sentido de responsabilidade do que com obcecados pelo poder, pela ambição e vaidade, sem noções realistas e sem preparação para defender os interesses do povo português. Mas, atenção, o Governo não deve deixar de ter presente que não há soluções ideais, pois não há bela sem senão, e deve fazer sempre a sua análise, no cumprimento das suas funções de gerir o interesse nacional.
A João Soares
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