Tempestades de granizo
DIABO nº 2221 de 26-07-2019. Pág 16, Por António João Soares
Existe, actualmente, a obsessão de citar as alterações climáticas quando se deseja apenas referir os cuidados com a eliminação da poluição do ar, dos mares, dos rios e da área terrestre. Tive oportunidade de procurar contribuir para esclarecer o assunto no texto ‘Alteração climática é fenómeno natural’, publicado em O DIABO nº 2218, de 05-07-2019, pág 16. Depois disso, veio a notícia da saraivada ocorrida em Mogadouro do distrito de Bragança, em 13 de Julho corrente, provocando danos avultados principalmente na agricultura em vinhas, olivais e soutos, numa área alargada em vários pontos do concelho; e houve quem se referisse ao caso como se se tratasse de efeito de alteração climática.
Recordei-me de uma saraivada num mês de Maio da década de 1940 ocorrida na área circundante da minha aldeia, causando elevados estragos na agricultura, casas e pessoas, ao longo de uma larga faixa. Tive sorte, porque ocorreu poucos minutos depois de ter percorrido 7km a pé desde o Liceu. Esta vivência fez-me valorizar a notícia e soube que em 1 de Julho em Guadalajara, México, caiu uma saraivada que deixou uma camada de 2 m de gelo. No dia 11 caiu na praia de Tortoreto, Itália, granizo de grandes dimensões que provocou 18 feridos. Também nesse dia, o norte da Grécia foi atingido por forte tempestade de granizo que causou a morte de seis pessoas, incluindo duas crianças, e fazendo centenas de feridos.
Isto levou-me a procurar explicação para o fenómeno e fiquei sabendo que se trata de fenómenos naturais, que ocorrem em circunstâncias meteorológicas muito especiais, e que são objecto de estudo desde há séculos, principalmente depois de o seu poder destruidor ter intrigado o pensador grego Aristóteles que, no ano 340 AC, escreveu sobre eles na obra Meteorologia. A explicação actual traduz a convicção de que as tempestades de granizo, sobretudo as violentas e com pedras de grande tamanho, são fenómenos raros, que acontecem em circunstâncias meteorológicas excepcionais. Para se formarem estas nuvens especiais de granizo, é preciso que o ar esteja muito quente e húmido. Elas surgem entre 15 e 25 km de altitude, onde a temperatura não atinge os 80ºC. E que ventos fortes de direcção vertical entre 50 e 100 km/h que sopram para cima onde a temperatura é baixa e transforma a sua humidade em gelo, que, por ter maior densidade cai verticalmente, normalmente como chuva e, em condições especiais, como granizo.
Mas quando o ar está excessivamente quente e húmido, como aconteceu nos dias destas tempestades, grandes massas de ar cheias de vapor de água elevam-se na atmosfera puxadas por ventos tipo furacão, verticais, para grandes altitudes, chegando mesmo aos 25 Km. Logo a partir dos 5 Km (linha isotérmica), a temperatura fica abaixo de zero. E é a partir daí que o vapor passa a água e depois a gelo e, por ficar com mais densidade, consegue vencer o ar quente que o sopra para cima, e as pedras caem a grande velocidade e de forma destruidora. Os sucessivos movimentos de ventos muito velozes, quer na subida quer na descida, provocam o congelamento e descongelamento da água e a aglomeração de blocos de gelo que podem assumir volumes imprevisíveis. Um dos piores exemplos recentes de que há registo aconteceu em 1986, no Bangladesh, quando uma saraivada de pedras de gelo de cerca de um quilo fez 92 mortos.
Devido a esta sucessão do sentido do vento, das altitudes e das consequentes temperaturas, as tempestades de granizo nunca aconteceram nas regiões polares. E são mais frequentes no interior dos continentes, dentro de latitudes médias da Terra, nas regiões mais quentes e não muito distantes da zona inter-tropical. Será que os cientistas encontrarão na frequência do granizo, nos recentes abalos sísmicos e no aquecimento da água do mar, indícios de próxima alteração climática? ■
Santarém, Natal 2024
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