Transcrição de texto recebido por e-mail do próprio autor
O DESCONTENTAMENTO DOS MILITARES
(Por David Martelo, Coronel Ref.º - 11 de Março de 2014)
As manifestações públicas dos militares merecem ser analisadas em dois planos distintos: o da RAZÃO do descontentamento e o do significado, para o ESTADO, da insatisfação dos seus militares.
No primeiro caso, importa perceber se, no contexto de um país em crise profunda, em que tantos sacrifícios são pedidos à maior parte dos cidadãos, os motivos de insatisfação superam o da generalidade dos restantes portugueses, produzindo um sacrifício desproporcionado em desfavor dos militares. A resposta deve ser, sem qualquer dúvida, afirmativa e pode contar-se em poucas palavras.
Entre Junho de 1991 e Setembro de 1994, quando era ministro da Defesa do governo do Prof. Cavaco Silva o Dr. Fernando Nogueira, as Forças Armadas foram objecto de uma profunda reforma, que, entre outras vertentes, incidiu drasticamente na redução do número de oficiais e sargentos do QP. Nessa época, vivendo-se um período que hoje podemos classificar de “vacas gordas”, não se invocava, como agora, qualquer crise em curso, mas tão-só a indispensável racionalização dos meios e o necessário redimensionamento das FA.
Todavia, enquanto para a opinião pública se fazia passar esta compreensível mensagem, no mesmo cenário de abundância que então se vivia, havia já alguns anos que o poder político iniciara os cortes na retribuição dos militares das FA. No quadro que se segue, comparando a evolução dos vencimentos-base de quatro categorias de servidores do Estado, poderá constatar-se como o tratamento de desfavor ia já bem lançado.
Enquanto isto se passava, a Instituição Militar tinha um comportamento sereno e os chefes militares não podiam queixar-se do ruído produzido por associações profissionais de militares (APM), porque elas ainda não existiam.
A tropa estava disciplinada e muda e os chefes, provavelmente, estariam a desenvolver o melhor dos seus esforços no sentido de obter para os seus subordinados as recompensas que a mais elementar justiça impunha. Todavia, o resultado estava à vista. No meio da maior serenidade, o estatuto retributivo dos militares continuava em queda.
Perante a mais que patente incapacidade das chefias militares para resolver o problema, foram-se afirmando as APM, as quais, obviamente, não podiam desempenhar as suas missões nos mesmos moldes cordatos e submissos dos CEM’s. Parece que ainda há quem não entenda esta verdade elementar: no preciso momento em que se constituíram as APM, ruiu uma parte substancial do prestígio dos chefes, os quais deixaram de representar os militares junto do poder político, passando a ser vistos como representantes do poder político junto dos militares. Não se questiona, evidentemente, a representatividade que mantêm no tocante às FA enquanto Instituição que cumpre missões.
A última década foi já bastante marcada pela crescente visibilidade das APM. Mas essa visibilidade tem sido, mesmo assim, de frequência muito moderada. Quer isto dizer que chegam a decorrer vários meses entre duas “campanhas” consecutivas. No intervalo dessas “campanhas”, o país e o poder político esquecem os militares.
Vejamos, agora, em que cenário se encontravam os militares portugueses nas vésperas da entrada em funções do governo presidido pelo 1.º ministro José Sócrates.
Como pano de fundo, dominava a questão de uma prometida reaproximação das retribuições dos militares às categorias de referência (V. Quadro). Essa promessa, nunca cumprida, fora adiantada, em 1999, pelo então ministro da Defesa Dr. Jaime Gama, curiosamente no seguimento de uma bem sucedida acção de mediatização das questões militares, levada a cabo pelas APM. Estava-se, repito, num cenário de promessa de melhoria de condições, o que equivale a dizer que o poder político reconheceu a situação de desfavor em que os militares se encontravam. Com a chegada do governo actual, entrou um novo cenário – o da crise declarada e o da necessidade de “apertar o cinto”. Este “aperto”, para haver moral, teria que ser sentido por todos. Vai daí, os militares também o iam sentir, e de que maneira.
Mas é precisamente aqui que entra em cena uma falsa questão moral, isto é, no período de “vacas gordas”, enquanto muitos servidores públicos com maior poder reivindicativo viram as suas condições de retribuição melhoradas, os militares, miseravelmente abandonados pelo poder político de que não eram parte, viram o seu CONTRATO (a Condição Militar) ser progressivamente depreciado. Vindo o período de “vacas magras”, todavia, os militares ouvem os responsáveis políticos dizer, sem um estremecimento de vergonha, que devem sujeitar-se às consequentes restrições, porque não são mais do que os restantes cidadãos! Ora foi justamente esta duplicidade de critério que deixou os militares sem folga para os tais “ajustamentos” que devem abranger TODOS os cidadãos.
O segundo plano em que esta questão deve ser abordada diz respeito à postura dos responsáveis do ESTADO perante o espectáculo tumultuoso que as manifestações de membros das Forças Armadas e de Segurança se vêem constrangidos a produzir. Sim, constrangidos, porque o fazem contra a sua própria natureza e formação. Porque nem nos seus temores mais profundos alguma vez imaginaram que seriam compelidos a lançar mão de semelhante recurso. Enquanto isso, os lamentáveis políticos que ocupam lugares destinados a HOMENS DE ESTADO, em vez de se penitenciarem pelo simples facto de esta agitação emergir, limitam-se a analisar se a manifestação correu bem ou mal e se foi ou não ultrapassado determinado degrau de uma escadaria, incapazes de perceber que era do interesse do Estado que, pura e simplesmente, não houvesse motivos para que estas manifestações se realizassem.
As FA e as FSeg são pilares do Estado de Direito, e, para bem de TODOS, devem a coesão, a disciplina e o moral desses corpos merecer o melhor tratamento de quem dirige os destinos do país.
Um país que, lamentavelmente, vê os seus inenarráveis dirigentes a agir como agentes subversivos da segurança do Estado e dá um triste exemplo de ingratidão pelos homens que lhes ofereceram a Paz e a Liberdade.
Não merecem perdão!
11 de Março de 2014
quinta-feira, 13 de março de 2014
O DESCONTENTAMENTO DOS MILITARES
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A. João Soares
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Labels: catedráticos, juízes, militares
sexta-feira, 27 de junho de 2008
Justiça. Qual a estratégia?
A Justiça sempre foi considerada um factor insubstituível para a segurança das pessoas e o bom relacionamento social. Quando alguém lamenta a demora e outras imperfeições do sistema, aparecem logo críticos a atirar-lhe as maiores culpas do estado em que o Estado se encontra.
O actual Governo, tal como foi feito em vários outros ministérios, em vez de reformar a Justiça com a colaboração dos seus agentes e servidores, começou por considerá-los adversários e rivais, ou em termos tácticos, o inimigo a abater. Acabar com as férias judiciais foi o primeiro golpe mesmo antes de se procurar saber o que isso representa no funcionamento da Justiça, em relação aos cidadãos.
Também com a obsessão das estatísticas, havia que reduzir a quantidade de processos pendentes e a solução «inteligente» foi descriminalizar uma variedade de «pequenos crimes» e alterar o Código do Processo Penal, o que não agradou a quem o conhece e com ele lida e logo viu inconvenientes em muitas alterações.
Mas, como os governantes decidem dentro das paredes douradas dos gabinetes, «apoiados» por assessores pouco eficazes, não faziam ideia das condições de trabalho dos juízes e funcionários judiciais, ao ponto de muitos tribunais, terem infiltrações de águas da chuva, processos amontoados nos corredores sem segurança contra animais predadores, poeiras e até roubos. Muitos julgamentos, por falta de espaço nos tribunais, são realizados em salões de bombeiros e pavilhões multiusos, sem segurança nem dignidade. A falta de segurança dos juízes é tal que têm acontecido agressões em sessões de julgamento. (Ver a notícia «Aprender com o caso do Tribunal de Vila da Feira» e «Juízes sem desculpa para desculpar»)
O jornalista Ferreira Fernandes considera, e bem, que o juiz como um ser todo-poderoso que, no tribunal, manda calar ou levantar - como não faz nem um patrão, nem o Presidente da República, nem polícia armado nenhum -, esse, que pode fazer isso e as pessoas aceitam que faça, tem de ser intocável. Intocável, ponto final. Sem qualquer desculpa de salas pequenas ou impróprias. (Ver «Juízes sem desculpa para desculpar»)
Após as agressões a dois magistrados, os juízes do Tribunal da Feira suspenderam os julgamentos até haver novas condições de trabalho. A associação de juízes admite mesmo que a interrupção pode ser alargada a outros tribunais onde não exista segurança. Com incidentes como este, "estamos a assistir a uma perda de autoridade do Estado", disse António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Segundo ele, «o Estado não é sensível aos problemas de segurança nem lhes dá a devida atenção".
E os criminosos?
Mas, do lado oposto, os criminosos estão a receber as maiores atenções do ministério. Com o pretexto de melhorar as estatísticas do funcionamento dos tribunais, deixaram de ser considerados crimes situações que beneficiam os criminosos que são uma ameaça à segurança da população, o processo penal veio facilitar a vida aos que infringem a lei, a troca de seringas nas prisões, etc, etc. E agora a notícia «Novas 'prisões-hotéis' com cinema e sala de encontros» diz-nos que das 50 prisões existentes, 28 vão ser encerradas e dez construídas de raiz.
Em 2013, Portugal terá um total de 32 prisões.
As novas prisões, disporão de actividades de lazer, como salas de cinema, bibliotecas recheadas, campos de futebol e haverá mais salas de aula, espaços autónomos para visitas de amigos, família e advogados. E, mais concreto ainda, uma unidade de regime fechado para os casais, recluso e cônjuge, de forma a terem mais privacidade.
Estas "melhores condições para os reclusos" pretendem ter «o objectivo de ressocializar» e facilitar a reinserção social. Porém, resta saber se, para a mentalidade portuguesa, a prisão continuará a ter um efeito dissuasor do crime, ou se, pelo contrário, será um incentivo ao crime para irem passar uns anos num «hotel» que está nos antípodas da sua pobre casa, a qual não dispõe de nada comparável com as comodidades prisionais, quanto a condições de alojamento, de segurança e de tratamento.
Em conclusão: Os juízes são obrigados a trabalhar em condições deploráveis e aos criminosos é dado o privilegio de instalações luxuosas.