domingo, 14 de setembro de 2008

Criminalidade e autoridade

O notário reformado João Mateus reagiu à maneira como jornalistas do DN trataram o caso do assalto ao banco BES e sequestro de trabalhadores. Amigo de há muitas décadas e com quem não me encontrava há muito, esteve presente num convívio para que fui convidado e, sabendo da minha condição de blogger, falou-me da sua discordância em relação à forma como o DN tratou o caso e de uma carta que escreveu ao director que não foi publicada. Sei por experiência que os jornais nem sempre publicam as cartas recebidas dos seus leitores, mas estes ao verem preteridas as suas e considerando que estas abordam temas mais interessantes do que outras publicadas, nem sempre se conformam. Neste caso, João Mateus mostrou a sua indignação, de forma muito correcta, com duas novas cartas que aqui transcrevo.

Ass: Uma pergunta a João Miranda
Data: Sat, 16 Aug 2008 16:59:26

Lendo a crítica constante do seu artigo no 'D.N.' de 16 deste mês, gostaria de lhe fazer uma pergunta simples. Que desejava que a autoridade fizesse no assalto ao BES de Campolide? Que pedisse aos dois 'presumidos inocentes' uma trégua no sequestro dos dois 'empatas' dos bancários e lhes perguntasse como se chamavam para, via NET, requisitar os seus certificados de registo criminal e ver se tinham cadastro? E que os emissários fossem agentes da polícia sem treino de tiro?

Mas quem não saberia, dos milhões de Portugueses que olhavam a TV, que eles eram primários sim, mas primários como seres humanos?

Que pensaria se fossem familiares seus os reféns? E, já agora,por que não se prestou para, com a jornalista Ana Sá Lopes, que o aplaude, substituírem aqueles, esclarecendo que não queriam que se disparasse sobre os inocentes 'presumidos', mas sim que lhes pusessem à ordem um helicóptero para fugirem convosco a respaldá-los...?

Se não era original a oferta para substituir reféns, era, ao menos, uma razão válida para me obrigar a ir logo comprar um chapéu só para me descobrir respeitosamente perante a vossa memória.

Cordialmente
João Mateus—Viseu

Segunda carta:
Ass: Carta 'off record'
Date: Tue, 19 Aug 2008 14:43:23

Velho leitor de algumas dezenas de anos de um jornal que admiro pela abertura às diversas correntes de opinião, e autor há dias de uma carta denominada 'uma pergunta a João Miranda', que não espero já ver publicada, mas que terá cumprido a missão principal de manifestar a desilusão com uma opinião que reputo de injusta, não posso hoje deixar de, com uma maior liberdade de expansão, manifestar o particular regozijo com o artigo que li, de João Miguel Tavares, revelador de uma grande capacidade de análise e com que só não posso concordar num pormenor.

Não creio que o jornalista deva considerar de direita a sua posição de regozijo pela salvação dos sequestrados.

Católico e monárquico convictamente de esquerda, não considero que alguém, que pacificamente trabalha para o sustento próprio e dos seus, deva estar sujeito a ver alegremente apontar à cabeça ou ao pescoço uma arma carregada por outro alguém que escolheu o caminho do crime enquanto ele optou pelo do trabalho para a satisfação dos seus eventualmente legítimos anseios.
Dezassete anos e meio de magistratura, seguidos de vinte e seis e meio de notariado, um total de 44 anos a procurar compor conflitos, primeiro em situações em que não se procurou a solução por acordo, e depois na situação oposta, o longo contacto com delinquentes, com vítimas, com acusados inocentes, com pessoas que procuram compor amigavelmente os seus conflitos de interesses, não posso deixar de gritar que nem só as minorias têm direitos. Lamento as vidas perdidas, a do sequestrador abatido, a do jovem ciganito conduzido ao mundo do crime pelos seus e vítima do tiro de um guarda não devidamente preparado, a do negro assassinado em sua casa por bando rival, e quantas outras que vão acontecendo.

É difícil o papel da autoridade, mas a legítima defesa própria e alheia, proporcional a perigo criado, é um direito do cidadão e um dever da autoridade.

E não se pode esquecer o problema do copo meio cheio ou meio vazio. Se na acção dos 'snipers' se vê uma morte que podia (poderia?) não ter havido, também se pode ver, pelo contrário, a salvação de dois trabalhadores e o profissionalismo dos polícias que ainda permitiu evitar a morte de um daqueles que optara, sabe-se lá porquê, pela marginalidade.

Na vida, todos temos que fazer opções quantas vezes cruciantes.

E termino com uma última questão:
Alguém se lembrou já de perguntar qual será o estado psicológico do 'sniper' cuja obrigação era agir num segundo e que agiu?

Atenciosamente
João Mateus-- Viseu

Terceira carta:
Ass: Criminalidade
Date: Sun, 31 Aug 2008 17:27:18

Corria o ano de 1941 e, perante vaga legiferante que atacara o Governo, erguera-se a voz autorizada do Mestre de Direito Barbosa de Magalhães (filho) acusando aquele de sofrer de diarreia legislativa. Respondeu o Poder, como o sistema impunha, calando o ousado com uma aposentação compulsiva.

Vem esta evocação a propósito do artigo do Dr. António Cluny (D.N. de Domingo), que se aplaude, e que reconduz creio, ao que traduzo livremente por estado de espírito emocional sob que terão sido produzidos os actuais Código Penal e de Processo Penal e Lei de Política Criminal, derivado de abusos no decretar de prisão preventiva e que a prolongada detenção de um político exacerbara.
Reagiu-se a quente e, um ano depois, são patentes as consequências.

É um facto, mas alguma coisa se deve aprender com o passado: a uma tolice não se deve responder com outra que alguns parece exigirem.

São demasiado importantes aqueles Códigos, e mesmo aquela Lei, para servirem de campo a jogadas de batalha naval. Há que parar para reflectir, não continuando a agir a quente. O velho remédio para as diarreias (um dia de jejum só ingerindo líquidos) parece-me recomendável. Suster as consequências mais graves da lei, como sugeriu o Ministro Doutor Rui Pereira, com a iminente legislação sobre as armas, e outras que se possam impor, e acalmar antes de alterar os Códigos parece-me essencial.

E, já agora, recordando, da mesma era de 40, o filme 'Casablanca', e a ordem final do comandante da polícia para se prenderem os suspeitos do costume, alheios à morte que houvera, esperemos que a reacção em curso das polícias, que se apoia, não resulte, da mesma forma, na prisão apenas dos suspeitos usuais, prostitutas imigrantes, aceleras alcoolizados, condutores não encartados ou passadores de droga, enquanto ao lado, à mesma hora, se assassina um jovem de 22 anos em sua própria casa.

João Mateus—Viseu

1 comentário:

Anónimo disse...

Cumprimento-o e deixo-lhe aqui este meu testemunho.

Portugal moderno e feliz

Cada vez, gosto mais das notícias que leio nos OCS. Os jornais dão-nos conta daquilo que já sabemos e não nos interessa patavina. Uma no cravo, outra na ferradura. De resto, com a falta de jornalismo de investigação, escolhem aquilo que a Lusa produz. Será interessante que se analisem os interesses –todos- dos grupos de comunicação social que dominam o mercado. Será que interessa perguntar como alguns se constituíram e para quê? A quem paga o Estado os seus anúncios? O que recebe em troca? Se na Madeira todos sabemos –os OCS daqui fartam-se de o divulgar- interessa perguntar: e aqui no “Continente”? Desde Vila Real de Santo António, no Algarve, a Valença do Minho? E o grosso dos “anúncios” em jornais nacionais? Por vezes, ao lado dos pequeninos anúncios de relax… que, não raras vezes, actuam no prédio vizinho dos jornais e que os jornalistas desconhecem… Há jornais que, á sua porta, dispõem de um serviço completo –há noite quando os “jornas” trabalham mais- : Tráfico, prostituição e outros “aos”. Dava notícia? Dá um certo jeito? Ou terão medo de represálias? Também gosto muito dos jornalistas que emitem opinião, com isenção, é claro… O melhor, é que o fazem quando, no próprio jornal, exercem funções directivas, ou de jornalistas isentos. Será que a culpa é dos jornalistas, ou de quem manda nos jornais?

As associações disto, ou daquilo, não são capelinhas de interesses, nem me levam a perguntar para que existem. Os dinheiros estatais que ali entram –de todos nós- são justificados correctamente! São precisas –muitas- associações e bem dependentes… sobretudo, que estejam bem caladinhas, caso contrário lá se vão os subsídios. Os tachos e as panelas.

Este país está feliz. Não percebo porque a oposição diz mal de tudo, se nada apontam. A democracia é sinónima de alternância e de discordância. Mas que diabo; haja alguma moralidade no critério. O povo está tão feliz porque o governo diz, a oposição desdiz. O povo está tão feliz porque o país evolui todos os dias. O desemprego caiu –FINALMENTE- pois há algum emprego no estrangeiro, ainda!

As investigações vão de vento em popa. Nunca houve tantos investigadores, como agora, em Portugal. O que há mais, são investigadores –pelo menos assim assinam- na GNR, na PSP. A PJ está atolada de procedimentos administrativos, mas o seu pessoal anda feliz porque são muitos. O policiamento de proximidade é bem visível desde que os novos directores nacionais das polícias tomaram posse. São tantos os polícias que até estorvam. Já uma pessoa não pode sair da garagem porque os polícias são aos magotes, devidamente fardados, por tudo quanto é sítio. Ufa… que descanso. Criminalidade? Foi-se.

Os seguranças estão cada vez mais profissionalizados. Os cursos são um exemplo para toda a Europa. As empresas dão formação todos os dias. Que belo!

O novo cargo do “super polícia” já nem é necessário e estão a pensar reconvertê-lo na SEMEE - Secretaria de Estado da Mão Estendida a Espanha. Não confundir com os falangistas!

O futebol afastou-se da política. Já não temos presidentes de câmara que em simultâneo foram presidentes de clube, presidentes da assembleia-geral da Federação Portuguesa de Futebol, ou exerçam qualquer “carguinho” na liga!

Os juízes não emitem opinião. Cumprem apenas com o dever de julgar os poucos criminosos que ainda restam. Uma profissão em risco de extinção. Todos os julgamentos polémicos terminaram em tempo recorde, e ninguém contestou.

É interessante ver como algumas empresas conseguem milagres. Como conseguem vender congelados às IPSS, mais caros que a concorrência. Compadrio? Nem pensar nisso: QUALIDADE! Como se constroem túneis de poucos metros, extremamente necessários apenas por alguns milhões. Braguinha… Braguinha… aqui, até temos dois estádios. Um às moscas, outro a cair.

Como as religiões viram negócios altamente lucrativos. E, por vezes, se tornam politizadas, apoiadas ou pisadas. Toma lá e dá cá!

As forças armadas estão bem. Aliás, como nunca. Não falta nada. Material novo. Quartéis que parecem hotéis. Há excesso de contingente de pessoal. Pelo menos nalgumas categorias. As praças, essas, são em número baixo, talvez por isso passem a comandar… atendendo ao inverso proporcional. A nossa participação no exterior é altamente valorizada pela qualidade do material –último grito militar- que acompanham os nossos militares.

A agricultura não é precisa. Importamos tudo. Temos dinheiro de sobra. Será que temos petróleo? Os pescadores pescam para os amigos, ou tornam a deitar o peixinho ao mar. Sim, tornaram-se amigos do seu amigo, e do ambiente. E, como não precisam de sustentar as famílias –há muito peixe externo- divertem-se, felizes.

A educação especial nas escolas regulares –de referência, os CAO –Centro de Actividades Ocupacionais, regem-se todos pelo mesmo modelo, aliás, certificado pelos governos, desde sempre.

O ensino e a educação, aqui no canteiro europeu, são objectivamente o que de melhor se faz no mundo. Basta atendermos aos resultados e às prestações dos alunos. Todos passam de ano, e isso significa o quê? Que Portugal está melhor. As “novas oportunidades” têm dado frutos. Sei que há por aí gente maldosa que diz que não, mas é porque nunca tiveram esta brilhante ideia. Ninguém “chumba”, porque os portugueses sabem tudo e mais alguma coisa. Por vezes têm dúvidas apenas quando votam. Mas, isso é fruto da excepcional qualidade dos nossos políticos actuais, que tornam difícil a escolha dos melhores!

Hoje fico-me por aqui. Até breve, pois vou divertir-me, por aí… e estarei ausente

MR

PS: Cara Felícia, tinha-lhe dito que não, mas estou a repensar. Olhe que tenho muito por onde agarrar. Dê uma ligada quando puder. Anda muito caladinha. Porque será?