terça-feira, 12 de junho de 2007

GNR nas Forças Armadas???!!!

Esta transcrição é feita porque irá interessar a muitos leitores que visitam este blogue. Embora haja pequenas imprecisões, não se pode deixar de concordar com a generalidade do texto, muito claro e explícito.

Desmilitarizar, Rapidamente, e em Força a GNR

Col. Luís Alves de Fraga

Entre Setembro de 1993 e Abril de 1994 escrevia eu, nos apontamentos que elaborei sobre Deontologia Militar para os meus alunos — cadetes da Academia da Força Aérea — o seguinte:
«(…) muita gente julga que é fácil delimitar o conceito de Forças Armadas e, contudo, trata-se de uma tarefa difícil. Comecemos por pensar na finalidade das Forças Armadas e admitamos que, genericamente, chegávamos à conclusão de que elas existem para:

1. Garantir a soberania dos Estados;
2. Cumprir o desenvolvimento da política externa dos Estados, por recurso à força ou à ameaça do seu emprego;
3. Representar o elemento dissuasor armado que iniba outros Estados de atentarem contra a independência estadual;
4. Em casos muito excepcionais, contribuir para a reposição da ordem interna dos Estados.

Como se vê, a finalidade das Forças Armadas está essencialmente virada para as ameaças que possam incidir sobre os Estados vindas do exterior ou para cumprir, de forma armada, a política externa previamente definida. Pensemos, agora, no caso português. Será que a Guarda Nacional Republicana deve ser incluída neste conceito de Forças Armadas? E a Polícia de Segurança Pública? E, quando ainda existia, a Guarda Fiscal? É claro que nenhuma destas corporações deve, deontologicamente, ser admitida como integrante das Forças Armadas Portuguesas. A linha demarcadora pode ser definida com facilidade: sempre que uma corporação armada, legalmente constituída, tem como missão essencial específica o policiamento e as acções de polícia sobre cidadãos isolados ou organizados em grupos que se constituem fora da lei, não é passível de, deontologicamente, ser considerada integrante das Forças Armadas.»

Como se vê, a barreira deontológica que separa as Forças Armadas das forças de segurança está estabelecida pela sua finalidade, ou seja, pelo fim último para o qual cada uma delas existe. Esse é o motivo porque, ultimamente, em todos os Exércitos se começa a estabelecer uma certa confusão, pois, cada vez mais, o inimigo externo actua internamente por recurso a actos de carácter terrorista. Contudo, por causa desta situação, elevar as forças de segurança à categoria de Forças Armadas é ver o problema exactamente ao inverso, porque, como eu dizia nos meus apontamentos muito anteriores ao 11 de Setembro de 2001, em certas circunstâncias específicas, as Forças Armadas podem actuar internamente, ainda que não seja essa a sua vocação permanente.

E tudo isto se relaciona com a questão da quarta estrela para o comandante-geral da GNR. Vejamos quem pode ter razão e não a ter neste imbróglio.

Primeiro. A quarta estrela faz do comandante-geral da GNR um chefe de estado-maior?
É por demais evidente que não. Até podia ter dez estrelas! Não são as estrelas que fazem do dito comandante um chefe de estado-maior.

Segundo. As quatro estrelas do comandante-geral da GNR fazem desta corporação um Ramo independente das Forças Armadas?
Por si só, não. Todavia, não são precisas as estrelas do general para fazerem da GNR uma força militarizada ou mesmo militar; com ou sem general, estatutariamente foi dado, há muitos anos, um papel militarizado àquela corporação. E foi dado, porque estava sujeita ao comandamento superior do Exército e era de toda a conveniência para o mesmo que assim fosse — eram vagas para promoção que se criavam com a colocação de oficiais no serviço da GNR, quando a oficialidade específica daquela corporação era essencialmente constituída por milicianos em regime de contrato, não podendo ultrapassar a graduação, salvo erro, de major, mas, de certeza, de capitão.
Modificada a situação e criado o quadro de oficiais específicos da GNR só já restava ao Exército poder contar com as vagas de oficial general — a exercerem os cargos de comando superior da corporação — e não era despicienda esta oportunidade, pois sempre se poderiam promover mais uns coronéis e majores-generais!
Outra vez, os interesses dos indivíduos a sobreporem-se aos da colectividade!

Terceiro. A GNR é uma força militar?
É por demais evidente que não deve ser como tal considerada, pesem embora os exemplos dos carabinieri italianos ou da Guarda Civil espanhola. Somos portugueses, não somos nem italianos nem espanhóis. Acima de tudo, interessa perceber qual o tipo de inserção da GNR nas Forças Armadas. Ora, o que acontece é que a corporação só passa à dependência do Ministério da Defesa em circunstâncias muito especiais, porque, em situação normal — que é a mais comum — ela é, realmente, uma força de segurança e, como tal, dependente do Ministério da Administração Interna. Neste contexto, é uma organização para-militar ou, quando muito, militarizada por força do comando superior ainda ser exercido por um oficial general do Exército. Acresce que este facto vem confundir a definição que é agravada por causa do tipo de designação dos postos hierárquicos dentro da GNR — são coincidentes com os do Exército e da Força Aérea, por causa de, ainda no passado ressente, estar sujeita à tal dependência de quadros oriundos daquele Ramo das Forças Armadas.

Quarto. O que faz «correr», actualmente, os oficiais do Exército para a situação de incómodo?
Antes do mais, a tradição — as Forças Armadas são tradicionalistas e tudo o que rompe radicalmente com hábitos enraizados é incómodo. Depois, certamente, vem o problema hierárquico: no mesmo Ramo, ao mesmo tempo, só pode haver um general (entenda-se de quatro estrelas) por ser o mais antigo; mesmo que o da GNR seja graduado, enquanto no desempenho das funções tem de ter as mesmas honras e regalias do general do Exército (donde ele é proveniente). Daqui sobrevêm uma série de «pequenos» problemas: e se o comandante da GNR regressa ao Exército e é desgraduado e fica em condições de poder «concorrer» ao cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército? Não terá vantagem sobre todos os restantes tenentes-generais? Poderia desfiar mais dois três motivos… não vale a pena, porque mostram quanto as questões pessoais se sobrepõem às colectivas.

Quinto. Qual a necessidade de a GNR ter um general de quatro estrelas?
Realmente, só se justifica se houver pelo menos dois de três estrelas! Ou, então, mesmo na ausência desses, porque se reconhece que a força comandada já tem tal envergadura que é de elementar justiça que o oficial general possua uma graduação semelhante á do Exército que exerce o seu poder sobre número menor de militares.
Não quero acreditar que a vaidade do ministro da Administração Interna vá ao ponto de desejar que despache consigo um general de quatro estrelas quando com o da Defesa despacham três (eventualmente quatro) de quatro estrelas! Isso, para além de ser ridículo era surrealista!
Do ponto de vista operacional, nada justifica a alteração a não ser que, efectivamente, se pretenda, de uma forma concertada, reduzir o poder efectivo das Forças Armadas, transferindo-o para a GNR e fazendo desta uma super força que terá sobre as Forças Armadas a vantagem (?) de não depender da vontade do Presidente da República, mas tão só do Governo. Por absurdo — e só por absurdo — pretender acabar no médio/longo prazo com as Forças Armadas e transferir todas as suas missões para o âmbito da GNR, endossando a defesa de Portugal às Forças Armadas da Europa (passava-se a ter uma força de segurança interna que satisfazia a esse desiderato e, também, às poucas missões de intervenção no estrangeiro em que Portugal tem capacidade económica para participar).

Seja como for, e, aparentemente, esgotados os pontos de análise, uma coisa é certa: foi o extraordinário apetite de protagonismo dos comandos do Exército que conduziu a esta situação patética. Há muito aquele Ramo das Forças Armadas se deveria ter desvinculado da GNR! Mas, ao contrário, até quis abarcar a formação dos oficiais daquela corporação militarizada na sua Academia! Os erros, mais tarde ou mais cedo, pagam-se e, em especial, o «pecado» da gula é pago de várias maneiras.
Pessoalmente acho que a intervenção do Presidente da República é fundamental neste caso particular e o Conselho Superior de Defesa tem uma palavra a dizer a qual se encaminhará em dois sentidos: desmilitarizar, rapidamente, a GNR e desvinculá-la de missões militares ou militarizadas no estrangeiro, porque as Forças Armadas, em condições especiais, também podem fazer serviço de policiamento quer no plano interno quer externo.
Luís Alves de Fraga - Fio do Prumo www.portugalnoticias.com

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro senhor,
Fiz um comentário no blog do col Fraga (Portugal Notícias), sobre este assunto. Como era discordante da posição que ele defende, não o publicou. Belo procedimento para quem tem um blog com caixa de comentários aberta e depois só publica os posts que lhe dão "amens". Enfim, vejo que é um democrata...
Eu, por mim, nunca mais o visito. De resto notei que ninguém lhe liga. Devia chamar-se SNI (o dos coroneis da censura).

Agora veja a prosa:

..."Terceiro. A GNR é uma força militar?
É por demais evidente que não deve ser como tal considerada, pesem embora os exemplos dos carabinieri italianos ou da Guarda Civil espanhola. Somos portugueses, não somos nem italianos nem espanhóis"...
E arruma a questão!
E a Gendarmerie Francesa? Também não conta?
Estarão todos errados e só o col Fraga é que vai com o passo certo?
Em França (e na Itália e em Espanha) ninguém sabe o que é deontologia?
Pelo visto não foram alunos dele...

A. João Soares disse...

Sr Rui Jam,
A GNR, por decreto da sua fundação é um corpo militar. Se isso deve continuar assim ou não é discutível e merece uma análise muito ponderada, não devendo ser condenada ou aprovada de ânimo leve.
O Cor Fraga exprime-se na essência do seu texto à intenção de incluir a GNR nas Forças Armadas como um quarto ramo, sobre o que me pronunciei na resposta que dei a Zé Guita no comentário que colocou no «Do Miradouro»
Gostava de ver um estudo que demonstrasse, em termos de eficiência no cumprimento da missão da GNR, a necessidade de tantos generais. Há bem poucos anos havia apenas um general e um brigadeiro e as missões não eram mais complicadas do que agora (reforma agrária e PREC). E a GNR não dispunha de um enquadramento próprio de oficiais formados na experiência da Instituição, carecendo de oficiais o Exército que ali caíam sem a mínima experiência do serviço de segurança.
A inflação com tão grande constelação de estrelas pode ser justificada por motivos estranhos à missão da Guarda e só resulta no aumento da burocracia, no engrossamento das secretarias do comando, e não nos resultados da missão em comparação com a quantidade de pessoal e de custos de vária ordem, nomeadamente em viaturas para serviço das entidades.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Sr A. João Soares,
É verdade que tudo pode ser discutido . Mas o col Fraga Apresenta argumentos do estilo: " são deontologicamente erradas" as soluções de Segurança Interna da França, da Espanha e da Itália. E, Já agora, também a nossa que é semelhante à destes países.
Pergunto: só o col Fraga é que vai com o passo certo?
Os outros são todos ignorantes ( deontologicamente falando)?
Quanto ao número de generais, sem pretender (quem sou eu...) fazer doutrina, sempre pergunto:
qual é o efectivo da Força Aérea?
Quantos generais enquadram esse efectivo? E o Exército?
A GNR tem cerca de 27 000 militares... Agora compare!

Anónimo disse...

O Sr Rui mentiu quando disse que o comentário dele não foi liberado em www.portugalnoticias.com muito apressado, não aguarda a liberação.
Está lá sim seu comentário e o mesmo foi também distribuido na net para 3 milhões de endereços inclusive para ele mesmo. Casimiro Rodrigues www.portugalclub.org www.portugalnoticias.com

A. João Soares disse...

Caros Rui e Casimiro,
Agradeço a visita e as opiniões. Costumo evitar expressões condenatórias das opiniões com que não concordo, e dou direito de elas serem tão ou mais válidas do que a minha. Tudo pode ser discutido, em diálogo, com vista à procura da mais válida. Mas esta validez acaba por ser dada pela decisão de quem decide, escolhendo a modalidade que considere mais adequada ao caso presente, nas suas circunstâncias. Os modelos estrangeiros não são obrigatoriamente perfeitos e aplicáveis ao nosso País. Nos meus comentários , tanto neste caso como noutros de importância para o País, o que pretendo defender é a conveniência de ser estudado o problema com todos os factores que incidem na escolha e o principal é o do efeito par a efectivação a finalidade da Instituição. O resultado da reorganização para Portugal tem de ser a pedra de toque e não o benefício para pessoas, corporações ou partidos.
Espero que da escolha que foi feita ou venha a sê-lo resulte mais benefício para a segurança da população em geral, com o mínimo custo em todos sentidos.
Abraços