domingo, 9 de dezembro de 2007

Problemas. Os sintomas e as causas

De médico e de louco todos temos um pouco. Atrevo-me, por isso, a utilizar uma analogia entre as relações internacionais e a medicina. Um médico não se limita a fazer desaparecer os sintomas, que são considerados como avisos, sinais de que algo está mal, mas analisa-os com a intenção de chegar às suas causas, que é a essência do problema ao qual é necessário aplicar a terapêutica mais adequada para ser eficaz. Mas esse é o método de trabalho de quem teve uma formação específica profunda e demorada e que nunca deixa de estudar a fim de se manter actualizado, a par das mais modernas inovações da ciência e da técnica.

Com os políticos não se passa o mesmo, dada a ausência de preparação para as funções e a sua conhecida aversão ao estudo sério e consequente, de onde resultam demasiadas hesitações e erros que provocam avanços e recuos, com variados e pesados custos para o erário, que podiam e deviam ser evitados.

Hoje os jornais trazem notícias do Darfur, do Iraque, do Afeganistão e do Kosovo. São pontos do globo com crises graves que estão a utilizar forças militares em grande quantidade e cuja pacificação fica para muito além do horizonte não se vislumbrando uma data final da normalização. A impreparação dos políticos e a sua miopia acentuada, tem resultado na aplicação da força armada para combater os sintomas, sem terem capacidade de análise serena das causas, isto é da essência do verdadeiro problema, daquilo que está em jogo. O efeito obtido traduz-se em indescritíveis destruições de património material, histórico, arqueológico que faz falta à cultura da humanidade e, o que é mais criminoso, a mortes de imensas pessoas inocentes e inutilização de muitas outras cuja vida passa a ser apenas sofrimento e revolta.

Em vez da confrontação armada, teria sido mais avisado sentar à mesma mesa representantes das partes em conflito e levá-las a analisarem calmamente os interesses em jogo com vista a chegarem a um acordo que fosse aceite por todos. Dessa forma, os representantes dos povos abrangidos pela crise, actuariam democraticamente, através dos seus delegados, para a construção do melhor futuro possível para todos. Mas, a «comunidade internacional» ignorando o espírito democrático, assalta o País e impõe, de cima para baixo, pela força das armas, a solução que nenhuma das partes quer. E passam-se anos de morte e sofrimento sem nada se obter de melhor para os povos.

Para ilustrar estas palavras basta observar o que se tem passado e continua a passar-se em cada uma das regiões atrás citadas, mas tem de ser uma observação o mais possível imparcial, sem preconceito, sem dar previamente razão aos «bons» ou aos «maus», sem chamar rebelde e terrorista a qualquer das partes. Quantos países se formaram à custa de muita luta em que foram apelidados de terroristas? E dos terroristas e rebeldes de hoje quantos virão a ver coroadas de êxito as suas lutas que só existiram por não ter havido uma negociação serena das suas pretensões? Quem melhor do que a população local pode gerir os interesses do Darfur, ou do Kosovo, ou do Afeganistão? Será mais democrático, e mais eficaz a imposição da «ordem» por militares estranhos à região?

Não me refiro a uma ajuda às forças locais para elas poderem manter a ordem pública, em benefício de toda a população e não de apenas uma das partes em conflito, mas tendo por base o resultado de negociações directas entre os interesses em luta. Essa ajuda, esse reforço das forças locais, numa acção humanitária conduzida localmente, sem impor os interesses estranhos, será conveniente.

Parece utopia? Parece irrealista? Mas as lições da vida mostram ser conveniente que os objectivos estejam um pouco acima daquilo que é vulgar e normal. Só assim se avança para a inovação e criatividade e se cria desenvolvimento.

5 comentários:

Amaral disse...

João
"De médicos (ou sábios) e loucos..."
Não sei se os políticos terão esta dupla capacidade. Nesta cimeira da UE-Africa muito se falou para o boneco. Muitas fotos de família, apertos de mãos... para o álbum de fotos e para no futuro se utilizar como arma de arremesso eleitoral.
Porque é que temas como a situação no Darfur ficaram de fora? Porque é que nada se fez para acabar o regime de Mugabe?
Tantas respostas para nenhuma política eficaz.
Boa semana
Abraço

A. João Soares disse...

Caro Amaral,
Era de esperar que a montanha parisse um rato. Previ isso no meu post «Cimeira UE-África. Uma festa» que o meu amigo comentou. Há muitos interesses a «respeitar» e muita hipocrisia a envolver os assuntos internacionais. Para os participantes foi um festim gastronómico, de ostentação, de contactos para enriquecer os albuns de fotografias e o curriculum. E aos portugueses ficou o amargo de boca dos 10 (ou mais) milhões de euros gastos.
Um abraço

Paula Raposo disse...

O que me parece cada vez mais, é que os Direitos Humanos são violados em todo o mundo a uma velocidade meteórica! E que, gosta-se ou insiste-se em nivelar tudo por baixo, em vez de se tentar o nível racional do que presta. Beijos para ti, um texto óptimo.

Anónimo disse...

Aqui fica um pedaço da entrevista do Coronel Almeida.

A outra parte da fala das localizações do futuro aeroporto de Lisboa...Onde diz não haver estudos operacioanis...mas sim económicos momentâneos.Está muito interessante.
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(...)
- Passou à reserva porquê? Estava desiludido com o País, as Forças Armadas?

- Tive sempre uma ideia muito clara, quando foi o 25 de Abril, de que os militares iam pagar caro o terem feito essa ousadia.

- Terem feito o 25 de Abril?

- Terem feito essa ousadia. Foi o único País do mundo onde se fez uma revolta militar para fazer a democracia. Todos os golpes militares são para acabar com a democracia. Nunca para a fazer. E para isso teve de se dar a inversão. Foram os capitães e os majores contra os generais.

- E pagaram caro por isso?

- Eu sabia que os políticos nunca iriam perdoar aos militares terem tomado o lugar deles. Eles não tinham coragem para fazer nada. Claro que os políticos tinham uma justificação. É que uma ditadura militar tinha de ser derrubada por militares. E de facto o regime anterior era sustentado por uma ditadura militar, que começou no 28 de Maio. Só que os militares para fazerem isso tiveram que se esquecer que tinham estrelas acima deles.

- E por isso foi para a reserva?

- Não quis assumir esse preço. Saí e fui aproveitar tudo o que a Força Aérea me ensinou. Estudar soluções inteligentes para desenvolver negócios.

- Inteligência económica?

- É isso mesmo. O ex-chefe dos serviços de informação franceses diz no seu livro que 80 por cento do seu tempo era gasto para desenvolver a economia da França e não para evitar que a França tivesse ataques. Os nossos serviços nunca perceberam isso. Nem percebem.

- Este folhetim aeroporto é bem exemplo disso?

- Absolutamente. É a ausência completa de inteligência económica. E sem atender aos requisitos técnicos e dificuldades operacionais. Gasta-se um dinheirão e daqui a uns anos vêm dizer que foi tudo um erro.

- Seja qual for a opção?

- Se não tiverem em atenção as necessidades operacionais podem chegar a essa conclusão. Podem ter a sorte de a Senhora de Fátima mais uma vez os protegerem. Mas se a Senhora não puser a mão por baixo vamos cair a sítio mal frequentado.

- Participou no 25 de Abril?

- Na altura era comandante de Boeing, era difícil ter um papel activo. Levei os substitutos dos que foram demitidos em Luanda. No dia 28 de Abril. E tomei conta do aeroporto durante quarenta e oito horas.

- E no 25 de Novembro?

- Aí tive um papel activo. Estive com o Eanes na Amadora, como delegado da Força Aérea. Mas não gosto de fazer propaganda disso, porque o Eanes me desiludiu um bocado.

- Fazia parte do comando?

- Estava no comando. O general Morais e Silva mandou-me a mim. Estive sempre à paisana.

- Foi uma experiência interessante?

- Assisti a coisas muito curiosas. Na noite de 25 de Novembro estávamos lá para aí sete ou oito. No dia 27 de Novembro já estavam setecentos ou oitocentos.

- O costume.

- Como já estava tudo resolvido apareceram todos. Um deles foi o Firmino Miguel, que era meu amigo. Perguntei-lhe o que é que estava ali a fazer, depois de estar tudo resolvido. Mas antes aconteceram coisas engraçadas. Mandei um delegado à paisana para a porta do Ralis e o que ele me dizia era completamente diferente do que a propaganda estava a divulgar. E não sei se era controlada pelo PCP ou extrema-esquerda. E diziam que a Força Aérea não tinha controlo nenhum. Esqueceram-se que oito dias antes tínhamos enviado os aviões todos para Ovar, que não estava ocupada.

- Foi o senhor que os mandou levantar?

- Dei-lhes ordens para sobrevoar Lisboa. Não para atacar Lisboa. E o Jaime Neves, quando estava a atacar o Ralis, depois de ter ido a Monsanto, andaram lá em cima. Sabe que aviões foram? T-37, que são aviões de instrução. Mas quando ouviram os jactos a passar por cima, olhe, os pára-quedistas renderam-se e a multidão que estava no Ralis a pedir armas desataram a fugir. Houve feridos porque eles atropelaram-se uns aos outros.

- Jaime Neves também contou coisas interessantes ao Correio da Manhã.

- Eu li. Mas só não esteve muito bem porque não teve problemas porque teve os aviões por cima e nunca fala disso, nunca recorda.

- Recorda outros.

- É verdade. Na Calçada da Ajuda apareceram uns tipos em cadeiras de rodas a tapar a passagem. Mas como ele os conhecia de gingeira, eram falsos deficientes, atirou-lhes com os carros e eles ficaram bons num instante. Desataram a fugir.

- Foi o milagre da Ajuda.

- Mas O Jaime Neves teve uma grande desilusão e eu tive a mesma. No dia 27 ou 28 de Novembro, estava em casa a ouvir a rádio e ouço o Melo Antunes a defender o Partido Comunista. Em directo e numa entrevista. O Jaime Neves ficou desiludido foi com isso.

- Queria ir mais longe.

- O Jaime Neves só não acabou com o Partido Comunista porque o Melo Antunes e o Eanes não deixaram.

- E o Costa Gomes.

- O Costa Gomes não mandava nada. Era um verbo de encher. E aí honra ao Eanes, que numa reunião em Belém lhe disse o que tinha a dizer no dia 24 de Novembro. O Costa Gomes, muito a contra-gosto, pediu para interromper a reunião durante dez minutos. Depois soube, pelo chefe de gabinete dele, que era da Força Aérea, que foi fazer uma série de telefonemas para saber de que lado estava a força. Quando voltou lá cedeu porque o Eanes levantou-se e disse: “Meu general, a situação é esta. Ou o senhor toma uma decisão imediata, nem que seja a primeira vez na sua vida, ou então...”. isto é, ficava logo ali nas nossas mãos. E lá tomou a decisão. Sentiu que não tinha força. E aí foi o Eanes que teve o protagonismo, com as grandes patilhas e óculos escuros. Não era fácil. Até eu ficava com medo. O Eanes é bom homem, é um homem sério.

PERFIL

João Marques de Almeida nasceu em Coimbra no dia 14 de Outubro de 1939. Fez o liceu perto do Mondego até ao quarto ano. Acabou-o em Lisboa, no Liceu Camões. Entrou na Academia Militar com o objectivo de ir para a Força Aérea. Conseguiu. Acabou o curso e foi fazer um curso a França. A seguir foram cinco anos em Angola, duas comissões de serviço. Deixou África e esteve três anos nos Açores. Fez o curso de Comando do Estado-Maior da Força Aérea e foi colocado em Cabo Verde como comandante aéreo. Voltou para Lisboa para reorganizar o transporte aéreo. Director do programa dos C130, chefiou a 3.ª Divisão do Estado-Maior da Força Aérea e em 1979 foi colocado no Montijo, como comandante de grupo. Foi 2. º comandante e comandante interino antes de ir comandar a Base de Beja. Esteve três anos na NATO e foi comandante operacional da Força Aérea até passar à reserva.

FORÇA AÉREA, SEMPRE! EXÉRCITO JAMAIS

João Marques de Almeida não tem mesmo papas na língua. Já está na reforma e pode dizer o que lhe vai na alma sem receio de ferir hierarquias e regulamentos. Foi para a Academia Militar com o objectivo de ser piloto aviador. Se não entrasse na Força Aérea ia-se embora. Não queria ir para o Exército. “Jamais”. E orgulha-se de ter feito cerca de dez mil horas de voo, um feito para um militar que nunca transitou para a vida civil para pilotar aviões da TAP. Andou por Angola, Cabo Verde, Açores, Montijo, Beja e conheceu por dentro a NATO em Bruxelas. Olha espantado para a polémica em torno do novo aeroporto de Lisboa. Não percebe como o estudo da Associação Comercial do Porto, encomendado à Universidade Católica, defende a hipótese da Portela com o Montijo. Comandante de Grupo, 2.º comandante e comandante interino da Base do Montijo, conhece a estrutura muito bem. E só justifica essa tese peregrina pelo facto de os autores do estudo não conhecerem o Montijo, nunca terem ido passear até àquelas bandas. Mas Marques de Almeida é um conversador, directo nas respostas e com a memória viva de alguns acontecimentos mais ou menos recentes da vida nacional. Pertenceu ao comando que a partir da Amadora liderou os movimentos militares no 25 de Novembro. Lembra com desgosto as palavras de Melo Antunes, com o apoio de Eanes, que salvaram o Partido Comunista. E diz, sem hesitar, que Costa Gomes sempre foi um verbo de encher. É assim. Um piloto que sabe voar.

António Ribeiro Ferreira in Correio da Manhã

A. João Soares disse...

Cara Paula e caro Mário,
Neste post quis alertar para a necessidade de procurar a paz pelo diálogo, pela negociação e não pela guerra. Há uma espécie de loucura universal, generalizada, de enviar forças militares para acabar com reivindicações, muitas vezes justas e que, como não são ouvidas, acabam por entrar na violência. O resultado nunca é o melhor. No Kosovo nada se resolveu apesar das destruições e das vidas perdidas. No Afeganistão o resultado de tantos anos de luta só beneficiou os fabricantes de armamento. No Iraque o único «benefício» visível foi a morte de Saddam. Mas o povo iraquiano não tem beneficiado com tanto sacrifício que lhe é imposto. No Sri Lanka o sofrimento continua.
No centro de tudo isto está a ambição de Poder, a vaidade de políticos que não pensam seriamente na melhoria da vida das populações.
É realmente impressionante a facilidade com que se decide enviar mais militares para estes Países em guerra que lhes é feita do exterior.
Nós portugueses devíamos ser mais ponderados e alertar os outros. Andámos 13 anos a lutar para acabar de que maneira? Não seria melhor para as duas partes negociar calmamente a independência antes de começar o morticínio que lesou as duas partes?
Abraços