Transcrição da entrevista do General Garcia Leandro - Presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo – à TSF, em 08/08/2008. A entrevista foi concedida sem papel de suporte, de improviso, pelo que após elaborado o escrito com base em gravação de áudio, foi pedida ao autor a revisão e eventuais alterações gramaticais, o que não lhe foi possível por carência de tempo. Fica este alerta aos leitores.
TSF - …
Gen. G. Leandro - Estamos numa mudança de época histórica e estamos a apanhá-la num País que está a fazer grandes reformas e agora sofre esta crise em cima de si. Quando o PM diz que tem azar, eu acho que realmente tem razão, porque a crise veio do exterior, embora tenha encontrado o País em estado de fraqueza.
Agora, o País está muito frágil para esta grande mudança em que vinha sendo feito um trabalho que, se vivêssemos numa ilha isolada no Atlântico, poderia ser realizado com alguma tranquilidade mas, como vivemos num mundo a caminho da globalização, somos afectados por múltiplos problemas vindos do exterior.
Quais são as grandes fragilidades que eu considero que existem? Verdade seja dita que os caminhos apontados pelo Governo parece que são correctos; porém, têm de ser seguidos com mais rigor e honestidade. Muitas vezes, desconfia-se que não há honestidade e que a competência, em sempre existe em escala conveniente.
Onde é que me parece que isso é absolutamente importante? Na formação académica, nós temos que apostar claramente e com rigor e honestidade, não sendo essencial focar o esforço nas estatísticas, pois não é essencial nem prioritário apostar nas estatísticas dos resultados escolares, porque depois na vida prática, a vida real não vai corresponder a isso, mas será uma consequência do ensino técnico-profissional, com efeitos no conjunto da economia.
Outra fragilidade com grau de grande pecado mortal da nossa situação é, para mim, a promiscuidade entre os partidos políticos e o poder económico, num jogo de interesses que nos apanha como uma armadilha. Também a Justiça, onde há uma evolução, tem aspectos bons de que é grande exemplo a acção da Doutora Maria José Morgado, mas os tribunais continuam muito lentos, e a qualidade legislativa em que por vezes não se acredita, tem preceitos de que se desconfia terem coisas escondidas. Também, em termos estruturais, há algo que nós não podemos deixar que sejamos vítimas de uma ligação à Europa que tem obrigatoriamente de passar pela Espanha, pelas auto-estradas, o que obriga a recuperar a rede ferroviária. Outra tarefa a não descurar é a de recuperar a frota de comércio e, em termos económicos, há que apostar forte no controle e exploração das riquezas do nosso mar e, em termos internacionais, temos que diversificar alianças, (aliás as de carácter económico estão a ser feitas).
Além de tudo isto, há problemas internos que são insustentáveis o que dá origem, por vezes, a grande tensões e, por outro lado, a ocasionais sentimentos de revolta. Não pode ser ignorado o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, a classe média está a desaparecer, uma classe média desprotegida que está sempre continuamente a ser mais sobrecarregada. É evidente que é um problema mundial deste capitalismo selvagem em que estamos a viver – que o Papa João Paulo II anunciou, logo após a queda do império soviético, que caía o comunismo mas não se deveria ir para o capitalismo selvagem. Portanto este problema do fosso entre os mais ricos e os mais pobres não é só nosso, mas estamos a falar do país. E há pessoas que não compreendem esta alteração das realidades nacionais e não percebem que o país está quase falido e continuam a viver como se estivessem na estratosfera, num mundo isolado.
O Governo, qualquer Governo, tem que ter a coragem para enfrentar estes senhores todos poderosos da finança, da economia e dos partidos; eles têm que sentir que são parte do conjunto nacional e que têm obrigações relativamente ao todo Nacional. Portanto, enquanto não houver, da parte dos entidades responsáveis que nos governam, alguma confrontação com essas entidades que têm muito poder mas que não estão no governo, nós vamos continuar com a nossa débil situação e as nossas fragilidades sócio-económicas.
TSF – Sr. General: esses problemas, não sendo irresolúveis, vão certamente demorar muito tempo a resolver; estamos perante um país adiado, o futuro vai continuar a ser muito sombrio?
Gen. G.Leandro – Eu penso que…eu não vejo… grandes indicadores para optimismo. Mesmo acreditando que a alternativa de poder com a Drª Manuela Ferreira Leite, no PSD, dá uma credibilidade grande, as soluções que daí advirão não serão muito diferentes das soluções que têm sido seguidas pelo actual Governo. Apesar do trabalho que tem vindo a ser feito em alterações estruturais, em grandes reformas por este Governo, há questões que, independentemente desta crise mundial, os governos não podem controlar a curto prazo. É o caso da qualidade do capital humano que nós temos, as capacidades das pessoas, a formação académica, a formação técnico-profissional, o tecido empresarial que é muito fraco, tirando algumas raras e honrosas excepções e, portanto, a construção de um futuro melhor é um trabalho que vai demorar tempo, que é agravado por esta actual situação da crise mundial. Portanto, não estou, realmente, a ver sinais cor-de-rosa.
TSF – Ainda assim, o que é que Portugal tem de bom Sr. General, o que é que o enche de orgulho em Portugal?
Gen. G.Leandro – Aquilo que me enche de orgulho em Portugal? Acho que há uma bondade natural nas pessoas; acho que são pessoas que estão sempre disponíveis para ajudar mas, ao mesmo tempo, há uma grande desconfiança. Há uma grande falta de confiança nestes mecanismos económicos, político-partidários, etc. Porém, temos que viver com isto, diariamente, onde a corrupção é algo permanente, é visível, sempre, todos os dias.
Agora comparando, e eu já visitei praticamente todos os países da Europa, vivi em alguns, vivi nos EUA, em Itália, Bruxelas, para além de outros sítios do nosso antigo Ultramar, e também vivi em Marrocos, eu não trocava este País por outro; quero dizer que penso que nós temos capacidade para nos corrigirmos.
A Decisão do TEDH (400)
Há 35 minutos
8 comentários:
João
Quando estudei no seminário tive um professor que utilizava a segunite expressão (quando entregava os testes): "Há três tipos de estado, o estado novo, o estado velho e o estado... em que isto está".
Abraço
Caro Amaral,
O meu amigo que é profundo conhecedor da nossa literatura, sabe que já o Eça, o Guerra Junqueiro e outros, descreviam o «estado» da época com palavras que ainda hoje se aplicam. Tenho repugnância pelos políticos da minha geração, ou antes, que conheci durante a vida, porque tendo saído de um povo atrasado não souberam sobressair e mostrar capacidade e competência.
Já que fala em professores, em 1980
tive um mestre agora falecido e de quem tenho saudades que a propósito dos portugueses, dizia «somos poucos, pobres e profundamente ridículos». Isto passava-se num curso de pós graduação de um ano lectivo em que o tema de fundo era «O Portugal que somos»~.
Não temos melhorado em eficácia, mas as despesas dos governantes têm aumentado em espiral.
Maldita «democracia», imitando o título de livro de Pitigrili.
Um abraço
João
O General Garcia Leandro, é um conhecedor da matéria, e fala como alguém que está por dentro do assunto. Caro amigo A João Soares, no outro dia, dizia-me um amigo meu, que um amigo dele, empregado do Filho do Sr. PR Prof. Aníbal Cavaco Silva, lhe confidenciou (O filhos do PR, patrão e amigo do Amigo do meu amigo, que por sua vez me contou a mim), após ter houvido uma conversa, que em Outubro isto ainda iria piorar mais. E eu digo:
- Poça!!! Mais?!?!? Do que o que já está?!?!?
Ele lá sabe, ele lá sabe...
Penso que o General Garcia Leandro, fez aqui uma reflexão séria, a que todos devíamos prestar muita atenção.
Abraços do Beezz
Caron Beezz,
Atenção. O general Garcia Leandro, devido à sua posição, foi muito macio naquilo que disse, mas se atendermos a que é general em funções num cargo de nomeação política, aquilo que diz tem que ser apreciado com um índice potencial elevado. Temos que das sua palavras inferir uma gravidade maior do que ele diz.
Tem coragem para arriscar, dizendo aquilo que judiciosamente sente e pensa. É um óptimo exemplo para dezenas de generais que, nada tendo a perder, se mantêm envergonhadamente inibidos de expressarem mal-estar ao assistirem ao atropelo de valores cívicos, éticos, morais, de superior importância na defesa dos interesses nacionais, porque estes interesses não se resumem à acção armada dos militares, e as Forças Armadas sempre foram consideradas como uma reserva desses valores.
É de esperar que apareçam generais a falarem daquilo que se passa, Mas duvido que isso aconteça.
Um abraço
João
«Muitas vezes, desconfia-se que não há honestidade e que a competência, nem sempre existe em escala conveniente.»
General Garcia Leandro
Caro João Soares
E é aqui que reside o cerne da questão. Não são possíveis reformas, não é possível mesmo governar, quando ninguém, minimamente honesto, desconfia totalmente dos governantes. Para se progredir, no bom sentido, a Nação terá de estar fortemente motivada, o que não acontece, como se sabe.
Tudo teve início com a trapalhada das habilitações literárias do cidadão Pinto de Sousa. E a desconfiança agrava-se dia a dia, com a propaganda doentiamente optimista desse cidadão.
Caro Vouga,
Parece que em vez de «quando ninguém desconfia» queria dizer «quando ninguém confia». Sendo assim, concordo consigo. Um líder só o é integralmente quando inspira total confiança nos seus seguidores. O meu amigo, como militar, sabe por teoria e por prática, que um comandante, principalmente nos mais baixos escalões, se não inspira confiança nos seus subordinados de forma a estes o seguirem até à morte, poderá, nos momentos críticos, olhar para trás e verificar que está sozinho, o que seria um «suicídio», pois não seria poupado pelo inimigo que, a seguir, destruiria também a sua unidade.
Um fraco rei faz fraca a forte gente.
Entre nós a falta de confiança nos políticos tem razões muito fortes e persistentes: desde a confusão sobre as habilitações literárias, às promessas falsas e enganadoras, à «politica do chocolate», às «medidinhas», ao aparecimento nas TVs só para se mostrar, com o disfarce de mais uma promessinha, ao deslocamento a qualquer promoção empresarial como a do carro eléctrico, as viagens ao estrangeiro quando as comunicações permitidas pelo choque tecnológico, tanto do gosto do actual Governo, permitem a conversa e a negociação sem sair do gabinete, tudo isso mina a confiança que por acaso tenha existido de início.
O caso da promoção da Nissan-Renault foi caricato, não só pelo desconhecimento da lei sobre um caso em que tinha decidido falar, mas principalmente pela aparente intenção de querer fazer passar a ideia de que o carro eléctrico foi uma criação deste Governo, ou de Portugal!!! Ou de que a substituição do petróleo seja uma invenção de portugueses!!!
Como se pode ter confiança em alguém que age como um mau vendedor da banha da cobra?
Mas, repito aquilo que aqui já escrevi de que, nos primeiros meses, considerei que este foi o melhor primeiro-ministro depois do 25 de Abril, porque mostrou intenção de fazer as reformas necessárias na estrutura do Poder, para desenvolver Portugal em benefício dos portugueses. Porém, começou por criar uma equipa fraca e por não a liderar de forma coerente e eficaz, com uma estratégia dirigida para objectivos bem definidos, e concretizada de forma coordenada e controlada. Fracasso, de que resultou um conjunto de recuos, com os cidadãos a apertarem os cintos diariamente enquanto os tubarões vêm a barriga crescer, alargando os cintos de forma ostensiva e desenvergonhada.
No futebol, a confiança no treinador é indispensável para a equipa ganhar o campeonato.
Um abraço
A. João Soares
Caro João Soares
Obrigado pela correcção do meu texto. À hora em que o escrevi, 23H53, facto agravado pelos os meus provectos 68 anos,acho que tenho desculpa...
Caro Fernando Vouga,
O amigo está um jovem. Olhe que apesar dessa jovem idade, há pouca gente que, com ela, já não se atreva a brincar com um computador!!!
Mas o pensamento é muitas vezes traído pelo que se diz ou se escreve, porque as ideias são tantas que se atropelam. Acontece com mais frequência do que a desejada.
Um abraço
A. João Soares
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