Para melhor esclarecimento do tema aqui exposto com textos de várias origens, transcrevo o artigo do «jornal de defesa» de hoje que me foi enviado pelo amigo Artur Pinto, por e-mail. A essência do texto é convergente com a dos posts anteriores, embora a abordagem seja diferente, o que enriquece a análise do problema. Além do aspecto financeiro, como diz o autor, o problema «é também estrutural, de organização e de planeamento em função de um modelo que é preciso definir claramente tendo em conta o entendimento nacional sobre o que as Forças Armadas devem garantir». É altura de sentar à volta de uma mesa redonda os pensadores da Defesa com a incumbência de «definir claramente» o modelo pretendido.
Força Armadas – Uma questão de Estado
Alexandre Reis Rodrigues, 2008/10/31
Levantou-se um grande alarido à volta das declarações de ontem do general Loureiro dos Santos sobre os sinais de insatisfação nas Forças Armadas. O facto de terem sido feitas no dia do lançamento do livro do professor Salgado de Matos («Como evitar golpes militares») ainda mais agudizou o interesse público, bem evidenciado na presença de órgãos de comunicação social no lançamento do livro. Foi, no entanto, pura coincidência.
Na verdade, nem se compreende o burburinho suscitado pelos alertas do general; não foram mais do que o retomar de um tema a que consistentemente se tem referido na comunicação social, em artigos de opinião. No passado recente, há pelo menos, três artigos e todos com títulos muito claros: «As Forças armadas também podem ser uma ameaça» (24 Fevereiro 2007, jornal Expresso); «Sinais de insatisfação entre os militares» (23 Julho 2007, jornal Público) e «Instituição militar: sinais preocupantes» (25 Outubro 2007, jornal Público).
Mal grado a clareza da mensagem, o impacto destes artigos foi quase nenhum na opinião pública em geral e obviamente também no Governo que nunca se deu ao trabalho de procurar clarificar o assunto. Outros artigos de natureza semelhante, nomeadamente no Diário de Notícias, Correio da Manhã e no jornal Diabo, entre outros, e declarações de vários oficiais generais têm tido a mesma sorte, isto é, o esquecimento. Há ainda, o episódio da carta divulgada pela Lusa, do então CEMGFA, em Novembro de 2006, a alertar para a questão da «condição militar»; também não foi ouvido.
É óbvio que há muitas razões para se estar preocupado, mas nem me parece que valha a pena estar a especular sobre o que pode acontecer no futuro; basta pensar no que tem acontecido recentemente, algo que é já muito incomodativo e que, como tal, já devia ter suscitado um exame atento da situação e a adopção de medidas que, de uma vez por todas, acabassem com as preocupações que o general Loureiro dos Santos levantou sobre o futuro. Estou a referir-me às variadas manifestações de insatisfação que têm acontecido nos últimos anos: as vigílias, os passeios no Rossio, os convívios, as jornadas de reflexão, os “jantares à porta fechada”, etc. Acontecimentos que podem ser naturais em países do Terceiro Mundo mas que não são próprios de um país europeu.
O Governo na sua “lógica” de olhar para os militares como funcionários públicos parece não ver qualquer inconveniente nessas manifestações e nem sequer presta atenção a esses acontecimentos. Na verdade, essa “lógica” retirou-lhe os argumentos para declarar inaceitável que os militares se exprimam publicamente nas ruas como os professores, os enfermeiros, ou quaisquer outros. Sendo todos funcionários públicos, os direitos dessa condição devem ser rigorosamente iguais.
Como “preocupação de coerência” é respeitável; no entanto, esquece o cuidado elementar de não dar azo a situações que abertamente não “jogam” com a dignidade de uma Instituição, «que preenche uma função estrutural estratégica e cuja razão de ser é dar resposta a uma necessidade que provém da própria sociedade» (Maria Carrilho, «O futuro das Forças Armadas», Colóquio Parlamentar, Junho 1993) e que afectam a imagem internacional do país, envergonhando-nos.
Aparentemente, o Governo tem dúvidas sobre se a Defesa é ou não um valor essencial para o País, uma responsabilidade colectiva que tem de assumir em nome da Nação. Eu digo que tem dúvidas, porque se não tivesse já teria resolvido o problema de dar às Forças Armadas condições de viabilidade de funcionamento, o que não se resume, como alguns poderão imaginar, a uma questão financeira. É também estrutural, de organização e de planeamento em função de um modelo que é preciso definir claramente tendo em conta o entendimento nacional sobre o que as Forças Armadas devem garantir.
É, por isso, indispensável verificar se, mesmo com mais recursos financeiros - em qualquer caso indispensáveis se quisermos cumprir os nossos compromissos internacionais - é possível conciliar a manutenção do actual modelo com a criação das condições que as Forças Armadas devem ter para que mantenham, de forma intransigente, o estatuto de Instituição, como acima caracterizado.
Boas-Festas
Há 2 horas
9 comentários:
Caro João Soares
Nem de propósito! Os generais loureiro dos Santos e Garcia Leandro bem tentam chamar a atenção para o problema. Mas esbarram com a indiferença arrogante dos governantes.
E o que é pior é o facto de o secretário de Estado ter dito a verdade, Ele, oficialmente, não sabe mesmo de nada. Porque os chefes de EM estão impedidos de transmitir o descontentamento dos militares. Eles sabem que serão corridos se disserem a verdade. Eles sabem que serão imediatamente responsabilizados, sem qualquer compaixão, por tudo o que de menos bom comuniquem ao poder político.
Sendo assim, tudo corre pelo melhor no Ministério da Defesa.
Pois...
Beijo grande
Caro Vouga,
Existe uma lógica perversa em tudo isto. Enquanto todos os funcionários públicos, incluindo juízes e professores, os tais que em relação aos militares ganham hoje o dobro do que ganham os militares com quem estavam equiparados há uma dúzia de anos, elegem livre e democraticamente os seus líderes sindicais, os militares, pelo contrário, não têm sindicato, não têm quem lhes defenda os direitos. Apenas têm quem, com a autoridade do RDM, lhes exija o rigoroso cumprimento dos deveres, com as restrições ímpares que a «condição militar» lhes impõe.
Mas já não gozam das compensações que lhes tinham sido dadas por essas restrições aos direitos constitucionais.
Há quem ainda viva com a ilusão de que os chefes são o seu sindicato. Isso não passa mesmo de ilusão, porque eles foram promovidos e nomeados para os cargos pelos políticos e sentem o dever de gratidão de agradar aos seus «benfeitores», esquecendo os colaboradores, os subordinados. Poucos houve nas últimas décadas que tivessem mostrado os seus valores morais e pedido a exoneração do cargo. Pelo contrário, tudo fazem para agradar ao Governo e prolongar ao máximo a estadia nas cadeiras do Poder.
É humano, tal como «errar é humano», e não pode deixar de ser criticado como o é qualquer erro. Perante a já muito conhecida onda de mal-estar entre os militares não há nenhum general que esteja isento de críticas.
Já não se trata de corporativismo militar, mas de corporativismo de generais. Como refere o autor do texto, a eles competiria exigir a definição clara do modelo de estrutura das Forças Armadas tendo em vista as finalidades nacionais que as Forças Armadas devem garantir, e proceder à organização e ao planeamento que daí decorre.
Se o não sabem ou podem fazer, contratem um novo «Conde de Lippe». E nunca esqueçam que sob o seu comando estão homens de quem dependem famílias, a quem terão de continuar a ser exigidos deveres muito arriscados, pelo que, olhando para a diferença com os deveres dos funcionários públicos, devem receber as justas compensações que devem ser inalienáveis.
Um abraço
João
Cara Maria João,
Obrigado pela visita.
Bom fim-de-semana
Beijos
João
Caros,
o MD está cheio de acessores militares... E dizem que eles não sabem? Sabem, claro, mas pensam ter tudo controlado com as nomeações...
O artigo do gen Loureiro dos Santos refere-se aos militares que estão descontentes -a grande maioria; não aos que estão nomeados. Curiosamente nas FS o mesmo se passa.
Mas em breve eles virão com algumas alterações... Os jovens militares, em todas as categorias, estão insatisfeitos com o actual regime de serviço militar, pois não há efectivos suficientes, mesmo que para lá enfiem uma quantidade de mulheres...
Para lá da falta de dinheiro para tudo. As unidades, em grande parte começam a cair e acusar a falta de manutenção. Até o combustível escasseia!
Em relação à PSP querem aprovar o novo Estatuto até ao final do ano, para entrar em funcionamento em 2009.Um Estatuto sem novidades de interesse para a classe.
Mas o próprio povinho tem contacto com a realidade policial e sabe que está td em pantanas! Anda tudo a tentar ir embora.
Há mais, mas... Vamos esperar mais uns dias!!
Mal-estar geral nos quartéis
CARLOS VARELA JN
Nos quartéis o ambiente está quente, com cortes na saúde, nas carreiras e ainda o espartilho do orçamento. A resposta dos militares limita-se para já a reuniões e debates, mas já se fala em acções de rua. E há generais a criticar o CEMGFA.
O mal-estar vivido nos quartéis e que veio a público na sequência das declarações do general Loureiro dos Santos teve ontem reflexo no jantar-debate de oficiais que decorreu em Lisboa. O encontro foi organizado pela Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) e o presidente daquela estrutura, coronel de artilharia Alpedrinha Pires, não limitou as preocupações a uma questão de classe e de direitos profissionais: "A vida nas unidades é desastrosa e dramática", estendendo, assim, o mal-estar à falta de verba até para o funcionamento regular das unidades.
Alpedrinha Pires conhece o anunciado reforço do orçamento por parte do Ministério da Defesa (MDN), mas diz que não chega, uma vez que "há unidades onde falta verba para a luz, para a água e para a gestão corrente. As coisas só estão bem em algumas forças ou naquelas que vão ser destacadas para o exterior". E quanto a um maior investimento no reequipamento, "vamos a ver, porque o mais habitual é o desvio de verbas da Lei de Programação Militar".
O mote foi dado pelo general Loureiro dos Santos quando na quarta-feira, no lançamento do seu livro "Como Evitar Golpes de Estado", criticou a passividade do Governo perante a falta de soluções para os principais problemas dos militares do Quadro Permanente das Forças Armadas, as questões da remuneração, da saúde e das pensões. No jantar, no entanto, adiantou acreditar que o MDN tenha vontade política para resolver os problemas, se bem que tenha reafirmado o receio relativamente a atitudes individuais mais preocupantes.
Ontem, o chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), citado pela agência Lusa, veio reconhecer que "há, como certamente em todas as diferentes instâncias do país, problemas e dificuldades e coisas que têm que ser resolvidas", lembrando que vêm de "há dez anos". Mas Valença Pinto também lembrou que é um processo que tem que ser "vivido com absoluta compreensão do quadro geral de dificuldades do país".
As explicações de Valença Pinto não foram bem aceites no jantar de oficiais, mesmo entre os generais. O general Eduardo Silvestre, antigo inspector-geral da Força Aérea, foi categórico: "Se há problemas que se arrastam há 10 anos e se é o próprio CEMGFA que o diz e o reconhece, então o CEMGFA é incapaz de resolver a crise". Também o tenente-coronel Vasco Lourenço mostrava preocupação: "os militares não cortam estradas, mas o Governo não pode continuar a ignorar-nos. Pode haver pessoas que queiram fazer coisas feias".
Entre os sargentos, o ambiente também não é o melhor. "Há problemas de toda a ordem. Têm-nos chegado alguns casos em que chega a não haver verba nem para comprar papel higiénico. São casos pontuais, mas existem", apontou Lima Coelho, presidente da ANS. E quanto aos cortes na saúde e nas carreiras Lima Coelho adiantou que a ANS vai começar a realizar reuniões por todo o país: "A primeira é Viseu, na próxima semana, depois em Braga". E a opção de mais acções de rua é uma das soluções, "claro que vamos estudar essa opção, vamos reunir e decidir o que fazer".
Tentar esconder o sol com uma peneira ou esvaziar o mar com uma colher não é solução inteligente e, muito menos, corajosa.
O Governo tem que pegar o touro de caras e encontrar a melhor solução. Como disse Vasco Lourenço. Se não querem umas Forças Armadas em condições acabem com elas. Não andem a brincar aos militares apenas para arranjarem tachos no MDN para os assessores amigalhaços e para fazerem figura no Afeganistão e outros locais do mundo com problemas. Pensem primeiro em resolver os problemas internos. E o problema dos militares é um deles e não o menor.
Cumprimentos
João
Caro João Soares,
Quando o Governo começou a enviar militares para o estrangeiro, polícias da PSP e militares da
GNR -ainda há muita gente em Timor-, eu escrevi que primeiro se devia olhar à segurança interna e se devia ter em conta as necessidades dos polícias e dos militares no seu dia-a-dia. Mas neste país existe o faz de conta. Condição sublime para se ser político.
Porque será que estou completamente de acordo com o comentador anónimo e com o Rei Posto?
abraço
MR,
A maior estupidez, ou uma das maiores, foi quererem considerar todos os servidores do Estado como funcionários iguais quanto a salários e «privilégios», esquecendo as especificidades de muitos deles. Não se pode considerar que as condições de trabalho de um militar ou de um agente das forças de segurança têm algo de comparável às de um escriturário de uma Repartição da Segurança Social ou das Finanças. Os sacrifícios a que estão sujeitos sempre tiveram compensações e, se lhas tiraram, agora nada mais podem exigir-lhes a não ser o cumprimento do horário geral para todos os funcionários.
Uma associação de polícias está a explorar correctamente esta situação exigindo um justo aumento nos pagamentos de serviços gratificados, por forma a compensar a disponibilidade a que eles obrigam.
Não pode haver raciocínios monetaristas para tudo e deixar de lado uns servidores do Estado que são cada vez mais considerados escravos do Estado, a quem tudo é exigido, sem as devidas compensações.
O Governo está a querer utilizar os militares como os sacos de pancada que os pugilistas usam para treino. Isto não e tolerável e os generais têm que demonstrar aos seus militares que merecem as estrelas, do ponto de vista da velha ética militar.
Cumprimentos
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