terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A insinuação combate-se com a verdade

Onde há verdade claramente evidenciada, com transparência, não tem lugar a insinuação e a insídia, porque, nessas condições, esta não tem quem esteja disposto a dar-lhe ouvidos. Transcrição de artigo do DN:

A cabala explicada às criancinhas

DN. 03-02-2009. João Miguel Tavares, Jornalista - jmtavares@dn.pt

Ah, como eu teria ficado mais feliz se José Sócrates, em vez de clamar contra os "poderes ocultos", tivesse dito que desocultava as suas contas bancárias. Era tão fácil. Estou a imaginá-lo a aproximar-se do microfone, na sua última conferência de imprensa, e em vez de falar em "insídias" e "ignomínias", dizer simplesmente: "Portugueses, nada tenho a esconder. Abdico voluntariamente do meu sigilo bancário. As minhas contas estão à disposição da Polícia Judiciária e do Ministério Público." Era tão fácil, não era?

Mas não. Sócrates preferiu deitar mão ao velho discurso da cabala, como se fosse um treinador de futebol no rescaldo de um jogo com arbitragem desfavorável. E não contente, despachou para as televisões os ministros que por ele nutrem a mais platónica das paixões, para sessões de gritinhos histéricos em directo, perorando enviesadamente sobre a ZPE e fazendo os portugueses passar por parvos, como se não existissem dúvidas inteiramente legítimas neste caso. Augusto Santos Silva e Pedro Silva Pereira não são o Bobby e o Tareco de José Sócrates. São dois ministros do Estado português. Convinha que se comportassem como tal.

Só que, infelizmente, no meio desta triste história, não há uma alminha sobre a qual possamos dizer "ora aqui está, este pelo menos agiu bem". De uma ponta à outra, a imoralidade atravessa todas as instituições que deviam sustentar o Estado em que vivemos. A reacção de Sócrates foi inaceitável. O comunicado da Procuradoria foi inacreditável, e mais parecia ter sido escrito por um assessor do primeiro-ministro no intervalo de um Portugal-Inglaterra, conseguindo o prodígio de ser desmentido pelas notícias do dia seguinte. E o que dizer da entrevista da procuradora Cândida Almeida, onde ela quebrou mais do que uma vez o segredo de justiça (por exemplo, na história do suspeito que não é muito suspeito mas apenas um bocadinho suspeito), ao mesmo tempo que informava ir abrir um inquérito sobre quebras do segredo de justiça? Seria hilariante, se não fosse tão triste.

Alguém, por amor de Deus, que tome a iniciativa de repensar o sistema de justiça de cima a baixo, que isto está a tomar dimensões insustentáveis. O que se passou está à vista de todos: após as chatices de 2004, a investigação entrou alegremente em banho-maria até os ingleses virem melgar com aquela carta rogatória, que colocou a polícia e o Ministério Público em cheque. Vai daí, aplicou-se uma velha técnica: isto é muito aborrecido de tratar, o mais provável é não haver provas suficientes para incriminar, porque é que não deixamos a comunicação social tratar disso? Assim foi. E assim vai continuar a ser. Até o País bater no fundo.


NOTA: Caro João Miguel Tavares, como dizia há pouco um amigo, ele não é assim tão estúpido, para abrir as contas bancárias a todo o mundo. Não devemos menosprezar a sua esperteza!!!

Nada nos impede de acreditar naquilo que o PM diz, embora tenhamos dificuldade em saber em que acreditar se quando diz uma coisa ou quando afirma o seu contrário. Ele aceita piamente a regra vulgar «guerra psicológica» que diz que uma mentira muitas vezes repetida é aceite como verdade. Sabe esta regra, como é bem notório. Na sua intervenção houve, como novidade, o recado que deu á Justiça quando repetiu com solenidade que a Justiça já disse que tudo está legal e que não há suspeitos. Talvez a PGR compreenda este recado!

Mas, o que foi mais negativo e o tornou menos convincente, foi o abuso do seu tique autoritário ao fazer parar todo o País à espera de uma coisa importante, nova e urgente, tendo faltado à discussão do Orçamento na AR e adiando o encontro com o PR. A montanha apenas pariu um ratinho.

Para evitar os julgamentos na praça pública, que são uma vergonha, é preciso que a justiça funcione para todos, com rapidez e isenção. O mal maior do País e de que pouco se fala é a corrupção institucionalizada, aceite e acarinhada como coisa normal. O João Cravinho tinha razão e é lamentável que não se tenha agarrado a sua proposta para começar a luta contra esse cancro social.

Em casos complexos, na nossa sociedade muito evoluída, em que somos todos muito perfeitos, quem sofre é sempre o mexilhão, isto é, o último da escala, o mais desprotegido!!!

E, quanto às atitudes dos ministros, eles limitam-se a ser politicamente correctos, a defender «à outrance» o seu poleiro.

Falta capacidade de análise lúcida, isenta, imparcial.

A melhor forma para evitar problemas ou resolvê-los, quando não possam ser evitados, é seguir um critério próximo do apresentado em Pensar antes de decidir.
Os responsáveis devem estudar os manuais, fazer uma reciclagem adequada.

4 comentários:

Amaral disse...

João
Também gostava que o PM tivesse dado uma resposta dessas, uma resposta... free.
Boa semana
Abraço

João António disse...

Se não existe nada a esconder, não há que ter medo, ou haverá ? O nosso povo costuma dizer que não há fumo sem fogo !
Um abraço

A. João Soares disse...

Amaral,
A artigo do jornalista é lógico e não ofende! Quando se está inocente, não se precisa de fazer muito barulho nem ter raiva, convindo acalmar a turbulência e, para isso, o melhor é o esclarecimento a verdade.
Há muito por esclarecer, pois no processo de licenciamento, como um juiz sublinhou, ouve uma celeridade invulgar e como costuma dizer-se, «não há almoços grátis». Toda a gente está convencida de que essa rapidez deu lugar, ou foi precedida, por gestos de «gratidâo». Amor com amor se paga.
Um abraço
João Soares

A. João Soares disse...

Caro Tijoão,
Se não houvesse nada a esconder, se fosse tudo claro como água, não havia tanto lugar para dúvidas e tanto barulho feito pelos «inocentes». Para estes a melhor solução seria «pôr tudo em pratos limpos», com o máximo de rapidez. Mas, pelo contrário, procuram tornar tudo cada vez mais confuso, o que é contraproducente, porque obriga as pessoas a pensar e a não esquecer pormenores que trazem outros relacionados.
Um abraço
João Soares