0 texto "O 25 de Abril" foi escrito há nove anos e esteve acessível na internet durante cerca de um ano. Republico-o agora, nas vésperas de mais um aniversário da data, porque o entendo, não só ainda actual, como confirmado pela pertinaz ausência de qualquer réplica à tese. Será caso para dizer, parafraseando Garcia Marquez: " Ninguém escreve ao coronel!" O que não faz mal nenhum porque os coronéis não ditam a história!
25 de Abril de 2004
O 25 de Abril
1 - O 25 DE ABRIL DE 1974 E O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO, TAMBÉM CHAMADO DE "REVOLUÇÃO DOS CRAVOS"
1.1- É o falhanço do golpe de Estado Militar de 25 de Abril de 1974 que está na origem daquilo a que se convencionou chamar de Revolução dos Cravos ou Revolução de ABRIL. Esta opinião que perfilho desde aquele dia, hoje data histórica, tornou-se já uma asserção pacificamente aceite pelos mais destacados protagonistas militares do evento (Melo Antunes, por exemplo) e também por alguns historiadores isentos, no sentido de não enfeudados a certos interesses político-partidários.
1.2 - Quando falo de golpe de Estado militar falhado – e adiante direi o porquê do falhanço – ocorre-me o recurso à expressão de Raymond Aron quanta à necessidade de "um golpe de Estado legal" para a passagem da IV a V Republica francesa. Efectivamente e para além da génese particular de natureza reivindicativa /corporativa dos capitães das armas da Infantaria, Cavalaria e Artilharia, para além da aguda consciência política de alguns desses militares e de um ou outro oficial superior, quanto à injustiça e inutilidade da guerra colonial, para além das condições objectivas externas (a nova atitude das então super potências quanto ao colonialismo e a posição da Igreja simbolizada pelo Papa Paulo VI ao receber, em 1970, os três líderes dos movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné, bem como a posição da mesma Igreja na denúncia da prisão em campos de concentração de padres africanos, entre eles J. Pinto de Andrade. Para além de condições, também objectivas, na ordem interna, (eleições de 1969, incidentes na Capela do Rato e o acento tónico na guerra colonial posta em todas as acções das lutas académicas), para além disso tudo ou quiçá por isso mesmo, o movimento dos capitães foi-se transformando em enorme "buzinão" de que muito boa gente quis aproveitar-se para fins políticos muito claros. Uns (onde me incluía - e a Pide/DGS assim o afirmava na ficha respectiva), para derrubar o regime; outros (onde se incluíam quadros superiores da policia política e, necessariamente, Marcelo Caetano), para inflexão do sistema, em ordem a uma certa abertura democrática e de descolonização não radical; outros, ainda, para a manutenção teimosa do status quo, como será (?) o caso da tentativa de Kaúlza de Arriaga de também "buzinar". Tentativa aliás abortada nos fins de 1973.
Eu próprio, participante que fui das reuniões ditas conspirativas e da discussão do documento que veio a ser chamado de «Programa do MFA» acabei aconselhado a afastar-me (o capitão Mariz Fernandes pediu-me o afastamento porque a Pide não via com bons olhos a minha "colaboração com o movimento"). Esta posição dos "Altos Comandos" foi-me mais tarde confirmada por Vasco Lourenço.
Quando – numa reunião onde estavam presentes Vítor Alves, Vasco Lourenço, Otelo, Hugo dos Santos e outros – perguntei porque estavam metidos no movimento os Generais Costa Gomes e Spínola foi-me respondido que, sem os generais, o "povo não acreditava em nós"!
- Então chamem-lhe o movimento dos generais! - exclamei.
Não entrei portanto, e por razões que me são exteriores, nas operações militares. Só soube da data do golpe no próprio dia.
De resto, o mesmo aconteceu, já quase em cima da hora, a Vasco Lourenço e Melo Antunes, ambos enviados compulsivamente para as Ilhas (pelo menos o Vasco Lourenço). Em consequência, o papel destes dois destacados militares assumiu contornos bem mais perigosos que os meus, honra lhes seja!...
1.3-0 Golpe de Estado militar tinha sido desferido.
Por que falhou?
Muito simplesmente porque a população, aquilo a que hoje se chama a sociedade civil, "aquilo" a que sempre historicamente se chamou Povo, saiu para a rua, desobedecendo aos continuados apelos dos "revoltosos" sedeados no quartel da Pontinha, para que ficasse em casa.
E foi por isso que Marcelo teve de ir para a Madeira e depois para o Brasil. E foi por isso que se fez a Lei 7/74 de 27 de Julho, em que se reconhecia, pela primeira vez, o direito a autodeterminação e independência dos povos das colónias, o que, obviamente, não constava do programa.
2 - O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO EM SI
2. l – A chamada Revolução dos Cravos teve início nesse mesmo dia 25 de Abril de 1974. No fundo, ninguém estava preparado para ela.
É historicamente falso que alguém tenha fomentado organizadamente o que quer que fosse.
Ao contrário da Revolução de 1383/85, em 25 de Abril não houve um Álvaro de Pais, embora houvesse vários Mestres de Avis e alguns candidatos a Condestável.
2.2 - Em 25 de Abril os "camionistas", os utentes deste país, principalmente em Lisboa e no Porto, reclamaram os seus direitos de cidadania, o seu direito "à participação referendaria" e foram sendo gradualmente submetidos e orientados por essas duas grandes forças da "razão": as armas e a "Organização".
O chamado poder político-militar passou por sucessivas metamorfoses.
Da Junta de Salvação Nacional para o Conselho dos Vinte, deste para a Troika, desta para o Conselho da Revolução. Sempre com uma Assembleia do Movimento das Forças Armadas "AMFA", uma espécie de parlamento em duas fases: numa primeira, constituída apenas por oficiais do Quadro Permanente (eleitos e por inerência); na segunda, já como Órgão de Soberania (nomeada na noite de 11 para 12 de Março, na sequência do célebre golpe conhecido por 11 de Março) onde já cabiam oficiais milicianos, sargentos, soldados e marinheiros.
Todos estes órgãos iam reflectindo as pulsões políticas dos partidos e movimentos que melhor conseguiam organizar as pessoas nas ruas, nos locais de trabalho, nos quartéis, nos bairros de residência.
Depois foi o que se sabe: a politização apressada dos que tinham as armas (havia militares que pensavam que Marx era russo!...), a sua arregimentação pelos já referidos partidos e movimentos políticos, a sucessão de golpes e contra-golpes, o Gonçalvismo, essa assustadora trombeta de reagrupamento da desmantelada extrema-direita que deu em bombista e até de aprendizagem e massificarão da ideologia correspondente, enfim a série de disparates que se conhece.
Disparates onde houve ingenuidade e maniqueísmo, justiças pequenas e grandes injustiças, egoísmos e cobardias, perplexidade e contenção, ódios e divisões. Mas, sobretudo, de que resultou um caminho aberto e irreversível para uma maior liberdade do indivíduo.
Apenas haverá que vigiar e pressionar os responsáveis políticos pelo desenvolvimento para que a pobreza e discriminação entre as nações não nos assole. Então, a Revolução, acidental, terá valido a pena. A democracia será uma realidade.
Mesmo que seja a única possível e, pelos vistos, a única desejável: a representativa.
3 - A APROPRIAÇÃO DO 25 DE ABRIL
3.1 - Ao longo destes 21 anos – tanto os que nos separam do 25 de Abril de 1974 – as comemorações da efeméride têm assumido tantas matrizes, tão diversas formas, que ninguém, minimamente atento, pode deixar de relacionar cada uma delas com a situação político-partidária global existente em cada momento comemorativo e com a apetência para a sua apropriação, quer a nível de protagonismo individual, quer a nível de grupo.
Houve mesmo um ano em que numa manifestação/celebração de rua, nitidamente organizada por um certo partido, um dado Almirante, aliás organizador individualizado, impediu que Otelo integrasse a primeira fila da Manif. ao lado dele próprio, do Vasco Lourenço e do Dr. Eduardo Lourenço.
E isto muito antes de Otelo ter sido acusado (justa ou injustamente, não monta para o caso) de pertencer às FP-25 de Abril.
O pobre do homem que queria ser actor, que foi general de aviário e que era o símbolo do cravo, ficou sem ele e foi parar à nona fila, de lágrimas nos olhos!...
O quartel da Pontinha, local emblemático do Comando Operacional do 25 de Abril dir-se-ia hoje em dia ocupado pelo mais "talentoso e opulento" homem de Abril, agora, segundo consta, bem encaminhado para uma brilhante carreira de deputado, ao lado de Marques Júnior e Mário Tomé.
Refiro-me a Vasco Lourenço.
3.2 - O 25 de Abril não pode ser apropriado, nem por individualidades nem por grupos de individualidades, por mais que, no antes, as individualidades e o seu agrupamento tenham tido protagonismo para o derrube do regime.
Os capitães de Abril são individualidades naquele presente, mas isso mesmo e só isso. Isto é, não são, como aliás também o não são os anteriores eventuais protagonistas, os donos, proprietários do 25 de Abril enquanto revolução.
3.3 - Segundo Kenneth Maxwel, director do centro Camões da Universidade da Columbia, "A Revolução (eu diria a componente militar da revolução) foi surpreendente, quanto ao seu poder psicológico mas limitada em termos da capacidade para reordenar a sociedade".
E tinha razão!...
Ou não será que é, na reordenação da sociedade, no seu sentido progressista, no sentido de uma maior justiça social, mais liberdade, mais afirmação de cidadania e mais desenvolvimento económico que está a verdadeira revolução?
Esse desiderato compete, como sempre historicamente competiu, ao povo, actualmente através do seu voto e da sua indómita e persistente vontade de preservar as instituições democráticas, melhorando e aprofundando o seu funcionamento.
25 de Abril de 1995
Aventino Teixeira
(16.07.1932 – 10.04.2009)
Recebido hoje por e-mail de Joaquim Evónio
A Decisão do TEDH (397)
Há 8 minutos
3 comentários:
Aqui está uma boa descrição que deixa ver como se formou a bandalheira geral e a corrupção e aproveitamento políticos. Os dois últimos parágrafos definem bem a desgraça consequente.
Caro Leão,
Aventino Teixeira era um homem muito perspicaz pensando com independência e profundidade, seriamente e um humor cáustico que era detestado por muita gente, por não lhe conquistarem as simpatias e, por isso, o acusavam de «ter escritório no Procópio» um bar que na época era muito frequentado por revolucionários do PREC. Mas era para ele o melhor local para observar e contactar todos os mais influentes actores da sociedade da época.
Eanes, que bem o conhecia, quando Presidente, tinha-o como seu consultor informal e nunca deixava de lhe pedir opinião.
Faltam-nos mais indivíduos que nos dêem descrições reais e sem tendências daquilo que se tem passado no País. Hoje, cada um descreve as coisas à luz dos seus interesses de momento, muitas vezes inconfessados e inconfessáveis.
Um abraço
João Soares
Obrigada pelo post! Virei aqui mais vezes.
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