Porque merece mais visibilidade do que o espaço discreto dos comentários, e porque nem todos se sentem à vontade para ler em espanhol, traduzi e trago para aqui o comentário de Jorge M. no post «Orçamento de 2010 à vista!». Vem confirmar aquilo que João Salgueiro disse quanto ao silêncio dos nossos técnicos e à informação que tem chegado do estrangeiro e que tem sido negada, começando agora a ser admitido o estado trágico da situação nacional, nos aspectos financeiro, económico, empresarial e social.
As verdades ocultas em Portugal
LISBOA, 21 Set (IPS) - Indicadores económicos e sociais periodicamente divulgados pela União Europeia (UE) colocam Portugal em níveis de pobreza e injustiça social inadmissíveis para um país que integra desde 1986 o 'clube dos ricos' do continente. Mas o golpe de misericórdia foi dado pela avaliação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos (OCDE): Nos próximos anos Portugal distanciar-se-á ainda mais dos países mais desenvolvidos. A produtividade mais baixa da UE, a escassa inovação e vitalidade do sector empresarial, educação e formação profissional deficientes, mau uso de fundos públicos, com gastos excessivos e resultados magros são os dados assinalados pelo relatório anual sobre Portugal da OCDE, que reúne 30 países industriais.
Ao contrário de Espanha, Grécia e Irlanda (que fizeram também parte do 'grupo dos pobres' da UE), Portugal não soube aproveitar para o seu desenvolvimento os volumosos fundos comunitários que fluíram sem cessar de Bruxelas durante quase duas décadas, coincidem analistas políticos y económicos.
Em 1986, Madrid e Lisboa ingressaram na então Comunidade Económica Europeia com índices similares de desenvolvimento relativo, e há apenas só uma década, Portugal ocupava um lugar superior ao da Grécia e Irlanda no ranking da UE.
Mas em 2001, foi comodamente superado por esses dois países, enquanto a Espanha já se coloca a pouca distância da média do bloco.
'A convergência da economia portuguesa com as mais avançadas da OCDE pareceu deter-se nos últimos anos, deixando uma brecha significativa no PIB per capita', afirma a organização.
No sector privado, 'os bens de capital nem sempre se utilizam ou se investem com eficácia e as novas tecnologias não são rapidamente adoptadas', afirma a OCDE.
'A força laboral portuguesa conta com menos educação formal do que os trabalhadores de outros países da UE, inclusive os dos novos membros da Europa central e oriental', assinala o documento.
Todas as análises sobre os números existentes coincidem em que o problema central no está nos valores, mas nos métodos para os distribuir.
Portugal gasta mais do que a grande maioria dos países da UE em remuneração de empregados públicos em relação ao seu produto interno bruto, mas não consegue melhorar significativamente a qualidade e eficiência dos serviços.
Com mais professores por quantidade de alunos do que a maior parte dos membros da OCDE, não consegue dar uma educação e formação profissional competitivas com o resto dos países industrializados.
Nos últimos 18 anos, Portugal foi o país que recebeu mais benefícios por habitante na assistência comunitária.
Sem dúvida, depois de nove anos a aproximar-se dos níveis da UE, em 1995 começou a cair e as perspectivas hoje indicam maior distância.
Onde foram parar os fundos comunitários? Éa pergunta insistente em debates televisivos e em colunas de opinião dos principais periódicos do país.
A resposta mais frequente é que o dinheiro engordou a carteira de quem já tinha mais.
Os números indicam que Portugal é o país da UE com maior desigualdade social e com os salários mínimos e médios mais baixos do bloco, ao menos até 1 de Maio, quando este se ampliou de 15 para 25 nações.
Também é o país do bloco em que os administradores de empresas públicas têm os salários mais altos. O argumento mais frequente dos executivos indica que 'o mercado decide os salários'.
Consultado por IPS, o ex-ministro das Obras Públicas (1995-2002) e actual deputado socialista João Cravinho desmentiu esta teoria.
'São os próprios administradores quem fixa os seus salários, atirando as culpas ao mercado', disse. Nas empresas privadas com participação estatal ou nas estatais com accionistas minoritários privados, 'os executivos fixam os seus salários astronómicos (alguns chegam aos 90.000 dólares mensais, incluindo abonos e regalias) com a cumplicidade dos accionistas de referência', explicou Cravinho.
Estes mesmos grandes accionistas, 'são a ao mesmo tempo altos executivos, e todo este sistema, no fundo, resulta em prejuízo do pequeno accionista, que vê como uma grossa talhada dos lucros vai parar às contas bancárias dos directores', lamentou o ex-ministro.
A crise económica que estancou o crescimento português nos últimos dois anos 'está sendo paga pelas classes menos favorecidas', disse. Esta situação de desigualdade aumenta cada dia com os exemplos mais variados.
O último é o da crise do sector automóvel. Os comerciantes queixam-se de uma queda de quase 20 por cento nas vendas de automóveis de baixa cilindrada, com preços de entre 15.000 e 20.000 dólares. Mas os representantes de marcas de luxo como Ferrari, Porsche, Lamborghini, Maserati y Lotus (veículos que valem más de 200.000 dólares), lamentam não poder dar satisfação a todos os pedidos, perante um aumento de 36 por cento ela procura.
Estudos sobre a tradicional indústria têxtil lusa, que foi uma das mais modernas e de melhor qualidade do mundo, demonstram a sua estagnação, pois os seus empresários não realizaram as necessárias adaptações para a actualizar. Mas a zona norte onde se concentra o sector têxtil, tem mais carros Ferrari por metro quadrado que a Itália.
Um executivo espanhol da informática, Javier Felipe, disse a IPS que segundo a sua experiência com empresários portugueses, estes 'estão mais interessados na imagem que projectam do que no resultado do se trabalho'. Para muitos 'é mais importante o automóvel que conduzem, o tipo de cartão de crédito que podem mostrar ao pagar uma conta ou o modelo do telemóvel, do que a eficiência da sua gestão', disse Felipe, esclarecendo que há excepções. Tudo isto vai modelando uma mentalidade que, ao fim de contas, afecta o desenvolvimento de um país', disse.
A evasão fiscal impune é outro aspecto que castrou investimentos do sector público com potenciais efeitos positivos na superação da crise económica e no desemprego, que este ano chegou a 7,3 por cento da população economicamente activa.
Os únicos contribuintes totalmente cumpridores para os cofres do Estado são os trabalhadores contratados, que descontam na fonte laboral. Nos últimos dois anos, o Governo decidiu tornar mais pesada a mão fiscal sobre essas cabeças, mantendo situações 'obscenas' e 'escandalosas', segundo o economista e comentarista de televisão Antonio Pérez Metello.
'Em lugar de anunciar progressos na recuperação dos impostos daqueles que continuam a rir-se na cara do fisco, o Governo (conservador) decide sacar una taxa ainda maior desses que já pagam o que é devido, e deixa incólume a nebulosa dos fugitivos fiscais, sem coerência ideológica, sem visão de futuro', criticou Metello.
A prova está explicada numa coluna de opinião de José Vitor Malheiros, aparecida esta terça-feira no diário Público de Lisboa, que fustiga a falta de honestidade na declaração de impostos dos chamados profissionais liberais. Segundo esses documentos entregues ao fisco, médicos e dentistas declaram de rendimentos anuais uma média de uns 9.277 (11.410 dólares), os arquitectos de 17.680 euros (21.750 dólares), os advogados de 10.864 (13.365 dólares e os engenheiros de 8.382 (10.310 dólares).
Estes números indicam que por cada seis euros que pagam ao fisco, 'roubam nove à comunidade', pois estes profissionais independentes deveriam contribuir com15 por cento do total do imposto por trabalho singular e só são tributados em seis por cento, disse Malheiros.
Com a devolução de impostos ao fechar um exercício fiscal, estes 'roubam mais do que pagam, como se um carniceiro nos vendesse 400 gramas de bife e nos fizesse pagar um quilograma, e existem 180.000 destes profissionais liberais que, em média, nos roubam 600 gramas por quilo', comentou com sarcasmo.
Se um país 'permite que um profissional liberal com duas casas e dois automóveis de luxo declare rendimentos de 600 euros (738 dólares) por mês, ano após ano, sem ser questionado minimamente pelo fisco, e por cima recebe um subsídio do Estado para ajudar a pagar o colégio privado dos seus filhos, significa que o sistema não tem nenhuma moralidade', afirmou.
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