Corrupção e burocracia
Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista, DN, 070303.
Na semana passada, o Parlamento debateu 14 projectos, dos vários partidos, para combater a corrupção.
Esta abundância legislativa resultou, como é sabido, do esforço pioneiro de João Cravinho (agora em Londres) para colocar a corrupção na agenda política.
As propostas de Cravinho não entusiasmaram o próprio grupo parlamentar socialista. Depois, um tanto a contragosto, o PS lá aproveitou uma ou outra ideia do seu ex-deputado. Os outros partidos também aí foram beber inspiração, alguns porventura por mero oportunismo.
Só que a sala da Assembleia da República contava escassos deputados quando se discutiu o combate à corrupção. "As bancadas estiveram desertas", escrevia o DN de sábado passado, confirmando aquilo que milhões de portugueses tinham visto na televisão.
Manifestamente, o tema da corrupção é incómodo para os nossos políticos, que só para evitarem maior escândalo o abordam. Percebe-se porquê: o financiamento dos partidos ficaria em causa se a corrupção fosse atacada a sério. Assim como a prosperidade de muita gente que anda na política para se governar e não para governar a colectividade.
Mas será Portugal um país corrupto? O último ranking da Transparency International (uma organização privada que se dedica a lutar contra a corrupção no mundo) coloca-nos em 26.º lugar entre 163 países.
Pior do que nós, na actual União Europeia, aparecem a Eslovénia, Chipre, Hungria, Itália, República Checa, Lituânia, Letónia, Grécia, Bulgária, Polónia e Roménia, por esta ordem.
Ou seja, na Europa estamos mais ou menos a meio da tabela. Naquele ranking, relativo a 2006, nos dez países menos corruptos do mundo surgem os nórdicos, mas também Singapura, a Suíça e a Austrália. Nos piores lugares figuram países subdesenvolvidos. Angola, por exemplo, situa-se no 142.º lugar.
Se a nossa situação em matéria de corrupção não é calamitosa, nem por isso deixa de preocupar.
Todos sentimos que as coisas têm vindo a piorar, com a degradação da autoridade do Estado e com o mau funcionamento da justiça. É significativo que hoje se considerem naturais, embora lamentáveis, jogadas que, há uns anos, mereciam forte censura social. Perdeu-se a vergonha.
O problema não diz respeito apenas ao Estado. Não é só na ocupação de cargos públicos, a nível político e administrativo, que a corrupção encontra terreno favorável. Qualquer posição de poder - político, económico, social, intelectual, desportivo, etc. - é susceptível de aproveitamento em benefício próprio e não da instituição. Mesmo sem falar no futebol, pense-se nas comissões e outras benesses que um gestor corrupto pode obter nas compras de uma empresa privada, por exemplo.
Também é verdade que a cultura dos países do Sul da Europa, como Portugal, é mais permissiva face a fenómenos de corrupção do que a cultura do Norte. Mas tal não deve implicar um imobilismo resignado por parte de quem tem responsabilidades sociais e políticas.
Não estou a propor a célebre "mudança de mentalidades", chavão habitual quando não se sabe o que dizer. Nem acredito em engenharias sociais para mudar a nossa cultura. Há outros meios.
Afinal, os últimos anos mostraram que, com vontade política e inteligência, a fuga aos impostos pode ser travada. Outro exemplo, numa área bem diferente: há poucas décadas era perigosíssimo em Portugal um peão atravessar numa "zebra", pois os carros não paravam. Hoje já não tanto é assim - as coisas mudam.
Melhores leis contribuirão para um combate mais eficaz à corrupção. Mas não é de apostar muito nisso. Em Portugal as leis não costumam ser cumpridas e a justiça é o que sabemos.
Mais do que da repressão, importa cuidar da prevenção. Ora a maior fonte de corrupção no Estado português está no excesso de burocracia. Esta resiste às tentativas para a reduzir porque há quem pessoalmente lucre com os mil e um obstáculos burocráticos, dando um "jeito", um "empurrão", para os ultrapassar.
O Governo tem mostrado algum empenho no combate à burocracia. Mas a prova real não está no Simplex e programas congéneres. Está na redução da burocracia através da reforma da administração pública. E na maior transparência e menor discricionariedade dos poderes públicos. Ora, por enquanto, apenas se viram aí boas intenções e promessas.
Os socialistas deviam perceber que um Estado forte, de que Portugal tanto precisa, será necessariamente um Estado menos gordo e, por isso, menos corrupto.
NOTA: Burocracia, tráfico de influências, corrupção, desrespeito pela lei são características deste rectângulo à beira-mar situado. O excesso de burocracia, criando obstáculos que travam a vida económica estimula a corrupção ou tráfico de influências que pretende abreviar os trâmites dos processos. Quem pode fazer favores que são «devidamente» recompensados (corrupção) são os indivíduos ligados ao poder (políticos). Por outro lado quem produz e agrava a burocracia são os detentores do poder (governantes, autarcas e parlamentares). Perante este ciclo vicioso, ou pescadinha de rabo na boca, reflicta-se e tirem-se as conclusões.
Sugere-se a leitura de:
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3 comentários:
Olá, A.J.Soares!
Esperemos que estas medidas venham minimizar um problema que já se torna crónico na sociedade portuguesa.
Que não seja apenas fogo de vista.
Aguardemos, assim poderemos ver o alcance e a eficácia das mesmas.
Um grande abraço, António!
Pois mas ao Cravinho, enviaram-no para fora, era incómodo demais...
Abraços do beezz
Caros Amigos,
Não podemos esquecer que Cravinho é um político e, como tal, sabe defender os seus interesses e criar condições para atingir os seus objectivos, olhando os meios com vista ao objectivo pessoal que pretende alcançar.
Recordo-me que há dias, num encontro de amigos, conversávamos sobre as próximas presidenciais dos EUA e qualidades para ser bom Presidente e alguém referiu as palavras de um escritor conceituado que afirmava ser Jimmy Carter inteligente, culto e muito sério, mas não foi bom Presidente, por não ser político.
A política é uma competição pelo Poder, na qual são permitidos (embora não o devessem) todos os golpes que levem ao objectivo desejado. Cravinho mostrou ser político. Não estou a defendê-lo nem a atacá-lo. Se fosse um homem sério, arriscava a defesa das suas propostas contra a corrupção, mesmo que as tivesse de remodelar um pouco, mas ousava enfrentar a hostilidade dos seu pares e não se afastava para uma conesia.
Podemos ficar a pensar que as propostas que apresentou se destinavam apenas a torná-lo indesejável perto do Poder, que o afastou para um exílio dourado.
Para calar uma boca, a maneira mais eficiente é usar um bolo, que ninguém recusa. às vezes, o bolo é usado pelo próprio!!!
Mas vale a pena meditar no ciclo da corrupção (que interessa aos detentores do poder), que é provocada e alimentada pela burocracia (criada por uma legislação intencionalmente restritiva, complexa, sádica, centralizadora, desconfiada do cidadão, também criada pelos «donos» do poder); isto conduz o raciocínio a tirar conclusões esclarecedoras.
Ao apreciar-se as atitudes dos políticos, não podemos pensar em termos éticos e morais, em verdade e mentira. são termos que eles desconhecem na sua actividade, excepto quando se dirigem em discursos formais ao Zé Povinho.
Um abraço
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