domingo, 23 de setembro de 2007

Erradicar a pobreza. Começar já.

Estamos numa data em que somos convidados a reflectir na pobreza, esta chaga social que deve mexer com a consciência dos mais favorecidos na vida e obriga a pensar aqueles que não têm capacidade para trabalhar ou não querem fazê-lo. É uma convicção adquirida que as causas da pobreza só podem ser removidas se forem modificados os factores económicos, sociais e culturais que a geram e perpetuam.

É ponto assente que cada um tem de procurar produzir riqueza suficiente para poder viver (habitação, vestuário, alimentação e algo mais). Como, no entanto, há deficientes incapazes de produzir aquilo que lhes é necessário, o Estado através dos impostos recebe dos mais ricos o suficiente para o sustento daqueles. Há também os desempregados que, enquanto a procura de trabalho não resulta, precisam de ajuda para superar as dificuldades, que estejam fora da capacidade das suas poupanças. E há outros que não têm o necessário conhecimento para gestão da sua economia, malbaratando o salário logo que o recebem em despesas desnecessárias e que nem lhes trazem um prazer compensador.

Para obstar a estes aspectos negativos, é indispensável ensinar às crianças que é preciso merecer aquilo de que se necessita, o dinheiro é finito e o que se gasta em guloseimas deixa de poder ser utilizado nuns ténis, etc. Nas escolas, esses ensinamentos devem continuar e ser aprofundados no ensino da aritmética e a propósito de qualquer momento que a isso se preste. Mais tarde, é preciso criar apetência pela formação profissional, pelo desejo de aprender a fazer algo de útil, algo que justifique receber um pagamento justo.

A esmola não é solução a não ser em casos pontuais bem definidos, porque ela avilta quem a recebe e, muitas vezes, deforma a mente de quem a dá. Por alguma razão a Bíblia diz que ela deve ser dada com a mão direita sem que a esquerda veja. Há que evitar a arrogância, a ostentação, a vaidade daquele que se diz generoso.

Há pouco tempo, os jornais ocupavam muito espaço com o programa Novas Oportunidades, mas cedo se percebeu que muitos intervenientes limitaram o seu objectivo à obtenção de diplomas de cursos superiores de maneira habilidosa, sem bases sólidas, sem que isso correspondesse a aquisição de conhecimentos, competência e eficiência de desempenho. As boas intenções porventura existentes na génese do programa acabaram por se traduzir num incentivo da caça ao canudo. Na minha santa ingenuidade, pensava que as Novas Oportunidades eram pistas, através de uma rápida formação profissional, com vista a novas actividades produtivas para realização pessoal e benefício da economia nacional. Coisas práticas, como por exemplo, conselhos para a criação de pequenas empresas explorando nichos de mercado, principalmente nos sectores das modernas tecnologias tão do gosto dos jovens.

Tive, há dias, conhecimento de uma jovem que se licenciou há seis anos num ramo de sociologia com poucas ofertas de emprego e ainda não iniciou qualquer trabalho por, segundo ela, não ter encontrado funções compatíveis com o seu diploma, continuando a viver à custa dos pais que trabalham e vivem com dificuldades. Parece que à medida que o tempo passa, a idade avança e os conhecimentos esquecem, perde possibilidade de vir a encontrar o tal «emprego compatível» e candidata-se, quando os pais lhe faltarem, a engrossar a lista dos pobres.

De sentido contrário, conheço de perto um caso curioso passado com um nosso emigrante nos EUA, que mostra a facilidade com que muitas pessoas encaram as novas oportunidades sempre que, por qualquer motivo, interrompem a actividade que vinham exercendo e querem continuar a auferir de rendimentos compatíveis com uma vida desafogada, sem carências. Trata-se de um professor universitário doutorado em Física Nuclear que trabalhava em regime de contrato bianual, já tendo passado por duas ou três universidades. Na última, dado o seu desempenho, prolongaram-lhe, a título excepcional, a prestação de serviço por mais um ano, ao fim do qual teria de concorrer a outra. Entretanto tinha casado com uma médica que o tinha acompanhado nas duas últimas cidades universitárias, mas que agora estava em óptimas condições de trabalho num hospital local, e tinha dois filhos a estudar. Analisando a situação familiar concluíram que dadas as condições vigentes, um dos dois tinha que mudar de profissão e concluíram isso ser mais fácil para ele. De repente, ele disse ao pai: «que pensavas se o teu filho passasse a ter uma padaria e a produzir pão tipo italiano que cá na terra tem muita procura?»

Esta era uma atitude de completa abertura a qualquer solução digna, sem preconceitos. Desde a papelaria, ou o quiosque de jornais, ou uma empresa de prestação de serviços ligeiros, tudo pode se tomado como solução possível, em alternativa à ociosidade e à mendicidade.
Mas, em qualquer estudo de situação seriamente conduzido, a decisão cairá sobre a melhor das hipóteses formuladas, depois de uma comparação cuidadosa das vantagens e inconvenientes de cada uma.

Mas, com as habilitações académicas que tinha, certamente, apareceria melhor solução. E acabou por entrar para uma grande empresa de seguros de saúde, cuja formação profissional incluiu uma licenciatura específica e um acesso rápido através de várias funções que serviram de estágio e preparação para o alto cargo que hoje desempenha.

Na vida nem tudo é rectilíneo, seguindo o caminho mais rápido e directo. Por vezes é mais racional e lógico imitar a água que, da nascente à foz do rio, vai sempre pela linha de maior declive, contornando elevações e outros obstáculos, não gastando energias desnecessariamente. Mas, mesmo a água, não age passivamente, sem esforço, nem com resignação absoluta. Se depara com um obstáculo intransponível, pára, acumula energia, eleva o nível e, quando a força já é suficiente, derruba o obstáculo, se não o consegue ultrapassar por cima ou pelos lados.

O êxito na vida não cai no prato, pronto a consumir. Cabe-nos uma quota parte da preparação do êxito pessoal ou profissional da nossa vida. Salvo um golpe de sorte que soubemos aproveitar ou uma qualquer contingência que não podemos controlar, o futuro trará o fruto da semente que agora semearmos, nas pequenas decisões quotidianas. E estas devem ser coerentes com os nossos objectivos e não movidas por vaidades, ostentações e estímulos passageiros e voláteis que acabam por trazer sabor amargo.

Estas reflexões vêm na sequência dos seguintes posts e artigos:

Celebremos o 1º de Maio,

Novas oportunidades

Quem atrapalha a sua vida?

Ultrapassar as dificuldades e vencer,

Um deficiente vencedor,
O fosso entre ricos e pobres
Pobreza ofende direitos humanos

2 comentários:

Amaral disse...

João
Sem dúvida é necessário erradicar a pobreza. O roteiro da inclusão do PR parece ter caído no esquecimento. O governo nada faz para encurtar o fosso entre ricos e pobres.
O caso é tão mais sério, quando se fala já em pobreza em Portugal. Há que fazer qualquer coisa.
No caso das Novas Oportunidades a história não é tão linear. Dar-se equivalência ao nono ano, não é dar trabalho, nem matar a fome.
Um reparo. Por certo por distracção o amigo João escreve no segundo parágrafo "E á outros que..."; como é o verbo haver tem de ser escrito com h (há).
Bom Domingo.
Abraço

A. João Soares disse...

Caro Amaral,
Começo por lhe agradecer o reparo, e já fiz a reparação!
Um lapso na terceira vez que no mesmo parágrafo escrevo «há». É um erro muito frequente a que eu reajo intimamente, com a promessa de nunca o praticar, mas...
A melhor maneira de reduzir a pobreza é criar gosto pelo trabalho e condições para que este esteja ao alcance de todos. É o tal ditado chinês: se lhe quiseres matar a fome não lhe dês um peixe, dá-lhe uma cana e ensina-o a pescar.
Mas mesmo isso não basta, sendo necessário ter espírito empresarial, o que depende muito dos ensinamentos no início da vida, dos problemas que fiz na instrução primária, poucos eram dirigidos à vida prática e explicados por forma a ajudar a decidir mais tarde nas cisas o dia-a-dia.
Não é problema fácil e é urgente para quem tem carências. Os donos do capital sentem vantagens em haver pobres porque os têm na mão para trabalho «quase escravo». O mundo parece caminhar para uma minoria muito reduzida de poderosos e o resto é escravatura. Vão surgindo escritos a mostrar timidamente esta tendência. E os políticos não se impõem a esse desejo das grandes empresas porque beneficiam em não as contrariar.
Um abraço