domingo, 6 de agosto de 2017
SEGREDO DE «INJUSTIÇA»
Transcrição do texto de António Barreto publicado no DN de 30-07-2017.
Segredo de injustiça
Como foi possível chegar aqui, a esta polémica obscena a propósito dos fogos, em que quase todas as opiniões sobre os desastres, as causas, as soluções e as responsabilidades são dominadas pela simpatia partidária? O governo e apoiantes tudo fazem para esconder o falhanço, dissolver responsabilidades, acusar os serviços e denunciar a oposição. A oposição vitupera e acusa, faz demagogia, aproveita e aproveita-se. Toda a gente sofre em directo e chora para as notícias das oito. Fala-se em nome dos mortos, poucos referem os vivos. Percebem-se os incêndios. Com o clima mediterrânico, as nossas matas, a desordem florestal, a insuficiência de bombeiros profissionais, a inércia dos governos fora da estação dos fogos, os criminosos mal castigados, as nomeações partidárias para os serviços de prevenção, a aquisição de um sistema de comunicações pelo ministro de então que é o primeiro-ministro de hoje, as misteriosas compras de equipamento pesado, os estranhos contratos de aluguer de meios de combate, a corrupção imposta por alguns bancos e umas tantas empresas de serviços, com tudo isto, percebe-se que haja incêndios, que não haja prevenção adequada, que a luta contra os fogos acabe por ser descoordenada e ineficaz, que se coloquem em perigo de vida os bombeiros, os polícias, os enfermeiros e os guardas, para já não falar dos cidadãos, dos lavradores e dos velhotes.
Mas há algo que não se percebe. Como foi possível que um conjunto de instituições, prestigiadas umas, outras menos, considere que um desastre esteja em "segredo de justiça" e que este se aplique a uma lista de mortos... Segredo de justiça? Para acidentes deste género? É simplesmente absurdo! Como é possível admitir que um governo invoque o segredo de justiça e se reclame da separação de poderes para não publicar a lista de mortos desde o primeiro minuto? Como foi possível chegar a esta hipocrisia canhestra que tenta esconder-se atrás de argumentos jurídicos que nada têm que ver com o assunto? Uma lista de mortos a enterrar é um segredo? De quem? Para quem? Os governos, as direcções-gerais, as empresas de seguros, os bombeiros e os autarcas não têm obrigações perante os cidadãos? O que estava realmente em segredo? Os nomes? As circunstâncias? O sítio da morte? Ou as responsabilidades do governo?
Como é possível que se tenha estabelecido um black out informativo tentando impedir que autarcas, bombeiros, comandantes de guardas e polícias, responsáveis pela prevenção e pela saúde informem o público? E que se acuse de oportunismo e demagogia quem quer que faça perguntas sobre o que se passou? E que os partidos que apoiam o governo sejam incapazes de uma exigência de informação? Desde quando é demagógico fazer perguntas? Por que razão não se pode ou não se deve discutir o que realmente fez a diferença, isto é, a falha de previsão, a ausência de prontidão, a falta de coordenação e a carência de autoridade? Quem assim reage, como reagirá em todos os outros casos?
Como foi possível desnaturar de tal modo a democracia e os costumes para se chegar a este ponto? Como foi possível deixar que esta democracia se parecesse com a ditadura aquando das inundações de Lisboa e de outros desastres, para já não falar dos feridos e mortos da guerra do Ultramar com os quais o governo tentava também fazer selecção e tratamento? Como deixaram os deputados, os magistrados, os militares, os médicos, os autarcas e os comandantes dos bombeiros e das polícias que se chegasse a este ponto?
Que é feito dos homens livres do meu país? Estão assim tão dependentes da simpatia partidária, dos empregos públicos, das notícias administradas gota a gota, dos financiamentos, dos subsídios, das bolsas de estudo e das autorizações que preferem calar-se? Que é feito dos autarcas livres do meu país? Onde estarão eles no dia e na hora do desastre? Talvez à porta do partido quando as populações pedirem socorro e conforto.
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sábado, 17 de setembro de 2011
Sem a troika, nunca se saberia
Transcrição de dois artigos de Dinheiro Vivo:
António Barreto: «Não fosse a Troika alguns números das contas públicas não eram conhecidos»
14/09/2011 | 09:46 | Dinheiro Vivo
"Não fosse a Troika alguns dos números das contas públicas não eram conhecidos."
A afirmação é de António Barreto ontem durante o debate promovido pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), sobre a Sociedade do Conhecimento em Portugal. Um retrato social.
Numa defesa do acesso à informação, o sociólogo, que lidera actualmente a Fundação Francisco Manuel dos Santos, considera que "a informação é a alma do negócio. A partilha da informação é a alma do negócio. Quem pensa que o segredo ainda é a alma do negócio está enganado", afirma. "Se até com o analfabetismo estamos a acabar. Até com a tuberculose estamos a acabar. Por que é que não se acaba com o segredo de Estado?"
Para o sociólogo, os casos do TGV e do novo aeroporto são exemplos da "opacidade do Estado", uma vez que "se os estudos [destes projectos] tivessem sido conhecidos desde o início" não se tinha assistido a tantos reveses nas decisões políticas.
Barreto também não se mostrou particularmente entusiasmado com o projecto Magalhães que, mais do que um factor de promoção do conhecimento, classificou de um "desígnio político".
Francisco Pinto Balsemão, que à margem do encontro optou por não falar com os jornalistas, despoletou a discussão em torno do papel dos media e do serviço público e, já agora, sobre a privatização da RTP.
"Pessoalmente sou favorável a um serviço público de televisão" foi a declaração de intenções inicial de António Barreto e, embora, considere que o actual serviço público não cumpre na íntegra as suas obrigações, "não gostaria que a RTP fosse no banho com o bebé", numa alusão à privatização.
António Barreto: "Acordo com troika deveria durar seis anos"
03/09/2011 | 15:17 | Dinheiro Vivo
O sociólogo considera que o memorando de entendimento entre Portugal e a troika "foi excessivo no prazo"
António Barreto afirmou esta tarde que o programa de ajustamento da troika deveria ter um prazo mais longo de aplicação, de forma a torná-lo "menos violento" para a sociedade portuguesa.
"O acordo entre Portugal e a troika foi excessivo no prazo. Poderia ter sido feito em cinco ou seis anos. O programa teria efeito e seria menos violento para a sociedade se fosse aplicado com mais tempo", afirmou o sociólogo, na Universidade de Verão do PSD.
António Barreto avisou também que a possibilidade de convulsões sociais é uma realidade. "Não é para amanhã, mas essa possibilidade existe", defendeu, argumentando que isso só ainda não aconteceu porque "as pessoas estão com medo de perderem o emprego e perderem o pão."
NOTA: A acção da Troika também veio levantar o véu das contas escondidas da Mdeira , como se pode ler no seguinte artigo (linK)
Alberto João Jardim arrisca multa máxima de 25 mil euros
17/09/2011 | 00:14 | Dinheiro Vivo
«Governo Regional “omitiu” 1,68 mil milhões de euros, mas as multas máximas aplicáveis aos responsáveis são uma fracção mínima desse valor» (...)
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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
«Assange não deve ser acusado»
Sobre a divulgação de documentos secretos pelo Wikileaks foi aqui publicado o post «WikiLeaks e os claviculários do segredo» em que era transcrita uma carta ao directos do Público publicada em 16 de Janeiro de 2004 e onde se responsabiliza pela fuga de informações classificadas o funcionário que tem por responsabilidade garantir a sua segurança. Se ele, que tem tal dever de garantir o segredo, comete a infracção de divulgar tal matéria, não pode esperar que a pessoa alheia ao serviço e que teve acesso a tal matéria a transmita a terceiros. Perante certas pessoas, esse texto seria uma heresia, e por isso é gratificante o artigo que se transcreve e que refere as posições de dois altos funcionários da ONU:
Assange não deve ser acusado, diz representante da ONU para liberdade de expressão
Público. 09.12.2010
Frank La Rue discorda da responsabilização do meio de divulgação.
O representante das Nações Unidas para a liberdade de expressão, Frank La Rue, considera que os Estados Unidos não devem poder apresentar uma acusação contra o responsável do WikiLeaks, Julian Assange, e defende que será um mau exemplo para a liberdade de expressão se isso acontecer.
Se há responsabilidades pela fuga de informação, ela não é do meio que a publicar.
“Tendo em conta o que foi divulgado no WikiLeaks, julgo não haver responsabilidade criminal por ter sido este site o meio de divulgação”, disse Frank La Rue numa entrevista à Australian Broadcasting Corporation. “Esse é um dos debates acerca da Internet e até agora considera-se, em geral, que não há responsabilidade criminal por transferir informação”, defendeu.
Frank La Rue está actualmente a trabalhar num novo relatório sobre liberdade de expressão e Internet e considera que “se há responsabilidades pela fuga de informação, ela é exclusivamente do autor da fuga e não do meio que a publica. É assim que a transparência funciona e que a corrupção tem sido confrontada, em muitos casos”.
Também a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navy Pillay, manifestou a sua preocupação em relação às denúncias de pressão sobre empresas privadas para deixar de prestar serviços financeiros ou de alojamento na Internet à WikiLeaks como forma de a impedir de divulgar mais documentos secretos.
Navy Pillay sublinhou a necessidade de se proteger o direito de partilhar livremente informação e adiantou que “se a WikiLeaks cometeu alguma ilegalidade, isso deve ser tratado judicialmente e não através de pressões e intimidações promovidas por terceiros”.
NOTA: Numa altura em que o mundo está convicto de que é imperioso combater o tráfico de droga, e que se fala do WikiLeaks é de chamar a atenção para o artigo «WikiLeaks implica altas figuras de Moçambique no tráfico de droga», em que são indicados nomes de homens públicos do mais elevado grau de responsabilidade no País.
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sábado, 4 de dezembro de 2010
WikiLeaks e os claviculários do segredo
Por ser oportuno transcrevo com ligeiras adaptações uma carta por mim enviada ao directos do PÚBLICO que foi publicada em 16 de Janeiro de 2004
Os claviculários do segredo
Há um velho adágio que diz que o segredo é a alma do negócio. Mas ele é também importante em muitos sectores da vida dos povos. Há o segredo profissional, bancário, de justiça, de estado, militar, etc. E em todos estes sectores há os claviculários do segredo, indivíduos credenciados, após juramento (nalguns organismos oficiais), para manusearem informação, documentos e objectos protegidos pelo segredo. Os militares, por exemplo, têm normas rígidas para tratar as matérias com classificação de segurança, não apenas no seu arquivo, como o seu registo e a sua destruição quando desnecessárias. Qualquer rascunho ou esboço é destruído (antigamente por incineração, hoje no «franjinhas»).
Quando ouço falar nas quebras de segredo, recordo a história do assessor do rei X da Prússia, abordado pelo conde de Y que lhe fez uma pergunta indiscreta. Respondeu-lhe que não lhe podia dizer porque era segredo. O conde retrucou: «eu sei guardar segredo», ao que o assessor respondeu: «eu também sei».
O assessor estava certo. Se o indivíduo credenciado para lidar com informação classificada, prevarica fazendo uma confidência a um amigo, não pode esperar que este, que nem é credenciado, não transmita esses dados a outras pessoas. O responsável pela guarda do segredo não pode violá-lo, não pode permitir a fuga. As normas de segurança que o norteiam não permitem dúvidas ou hesitações, são inflexíveis e exigem rigor.
E não se venha agora apontar as flechas contra os jornalistas ou bloguistas. Não se pode açoitar o miúdo da história que gritou «o rei vai nu». Quem age mal é quem lhes faculta o conhecimento de documentos e dados confidenciais. A nossa democracia, embora ainda pouco perfeita, deve muito aos Órgãos da Comunicação Social (CS), pois tem sido estes que despoletaram situações irregulares que originaram os principais processos judiciais dos últimos anos, e que têm conseguido a resolução de problemas graves que apoquentam as populações, os quais sem a sua intervenção continuariam por accionar. Falhas de serviços públicos, de autarquias ou de grandes empresas têm sido objecto de notícias na CS, e posterior resolução.
Procure-se aqueles que, tendo a seu cargo a guarda das matérias classificadas, não foram suficientemente zelosos, e não se acuse repentinamente a CS, não se lhe coloque uma mordaça. Todos (e cada um) estamos sujeitos a críticas. Em Marrocos, apesar do seu regime autoritário, o Rei amnistiou o jornalista Ali Lmrabet, activo crítico do regime. Sem críticas, sem o papel esclarecedor e informativo da CS a democracia estiola e pode dar lugar a autocracias ou ditaduras, com prejuízo para os direitos dos cidadãos que estão mais distantes das regalias do Poder. Há que evitar a ressurreição do «Portugal Amordaçado».
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sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Um lógico apoiante da eliminação do sigilo bancário
Depois de em post anterior ter sido referida a antinomia entre transparência e segredo, e na sequência da notícia "Nunca pedi dinheiro a ninguém e nunca recebi dinheiro de ninguém", garante Vara deduz-se logicamente que a pessoa referida tem todo o interesse em que haja transparência na sua situação e, para provar o que aqui diz, que defenda a abolição do sigilo bancário, pois sem ele ficará tudo claro e será confirmada a sua afirmação que dá título à notícia.
No entanto, outra notícia Vara assegura que não cometeu crime já é de mais difícil credibilidade, porque tudo depende do seu interesse em se confessar ou não em público e da sua noção daquilo que deve ser considerado crime. E ao ler-se o artigo Corrupção, habituação recorda-se um ditado com ressonância parecida « a ocasião faz o ladrão» embora o significado não se ajusta muito bem. Mas a habituação embota a perspicácia da avaliação dos sentimentos, e dos comportamentos.
E a propósito de habituação à corrupção, há quem afirme que a Face Oculta se refere a algo comezinho", "banal", "corriqueiro", "trivial", "usual", "vulgar". Parece que andamos todos ludibriados com «bocas foleiras» de nova criminalidade como "homicídio de carácter", "assassinato político", "assassínio de carácter", "homicídio por audiovisual", etc. São «argumentos» demasiado demagógicos e sem a mínima consistência, usados quando um político é apanhado com a boca na botija sem qualquer hipótese de segredo ou transparência que lhe possa valer. E com essas, lá desaparece um resto de possível confiança que ainda pudesse existir..
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Segredo ou transparência?
Há poucos dias era aqui referida a contradição entre transparência e segredo. Espantosamente, aqueles que mais defendem o «segredo» são os mesmos que noutros cenários tecem loas, em tom firme a querer ser convincente, à «transparência».
Decidam claramente o que é que querem se o segredo, profissional, de justiça, bancário, de privacidade, etc. ou se a transparência. Mas tenham a certeza de que, sem a transparência, haverá sempre suspeita, dúvida, boatos, calúnias, que podem ofender eventuais políticos que estejam inocentes dos males de que hoje tanto se fala.
Depois destas considerações tem de se tirar o chapéu à notícia BE pergunta a Silva Pereira quanto é que o Estado gasta em publicidade nos media. Em período de dúvidas acesas acerca de corrupção, de tráfico de influências, de trocas de favores, sempre com prejuízo para o Estado, para todos nós, será significativa a resposta que for dada à pergunta do referido partido da República.
Para ler a notícia basta fazer clic no título da mesma.
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quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Derrapagem da ponte Europa em Coimbra
Segundo notícia de hoje, a obra da ponte Europa sobre o Mondego, em Coimbra teve uma derrapagem de 288%, isto é, custou quase o quádruplo do preço previsto no orçamento (3,88 vezes). Perante a envolvência do caso Face Oculta, como é provável que não se trate de um caso isolado, surgem as perguntas:
- Como foi distribuído esse excesso de custo?
- O prejudicado foi Portugal, fomos todos nós, e quem foram os beneficiados?
- Em cada decisão imprevista quantas entidades foram bafejadas pelos presentes e atenções?
- E quem beneficiou para que o projecto inicial tivesse sido aprovado sem contar com os «pormenores» que foram aditados durante a construção?
Mas tudo isso está ao abrigo do «segredo» profissional, de justiça, bancário, de privacidade, etc. E, aberrantemente, os que nestes casos, mais defendem o «segredo» são os mesmos que noutros cenários tecem loas, em tom firme a querer ser convincente, à «transparência».
Decidam o que é que querem, porque transparência e segredo não podem casar-se, nem pelo «casamento» que querem por aí criar. Há que escolher: ou segredo ou transparência, com a certeza de que, sem esta, haverá sempre suspeita, dúvida, boatos, calúnias, que podem ofender eventuais políticos que estejam inocentes dos males de que hoje tanto se fala.
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quarta-feira, 22 de abril de 2009
Valor da notícia
Numa aula de técnica de informação, o saudoso professor, pai do Professor Luís Campos e Cunha, dizia que o valor da notícia depende da sua raridade, excepcionalidade e exotismo. Um cão morde um homem não é notícia, mas um homem morde um cão já o é.
Por termos diferentes, Mário Crespo expressa conceito semelhante quando defende que é notícia aquilo que os interessados procuram ocultar e negam por todos os meios.
E, quando os lesados negam em voz alterosa e veemente, tornam mais inverosímil a credibilidade da notícia que querem fazer passar, dando mais realce ao que querem ocultar Esta acaba por ser logicamente proporcional ao calor com que é combatida.
A notícia «falsa» ou «intencional» não é anulada pelo bramar furioso dos lesados e que, por serem parte na causa, não inspiram confiança. É raro o arguido confessar o crime!, sendo de esperar que ou não responda ou minta. A boa solução para esclarecer e desmontar eventual «manobra» tem que assentar no esclarecimento cabal levado a cabo por entidade isenta, independente, sem sofrer pressões de qualquer espécie. E, para essa entidade devem ser carreados todos os dados existentes que possam contribuir para clarificar o assunto em causa, a não ser que se trate de contributos que possam ser marginais e de pouca importância para o fim em vista. Qualquer ocultação ou dialéctica desviante das atenções é negativa e gera ou aumenta suspeitas que podem ser de longa duração na memória das pessoas. E quanto maior é o esforço para ocultar a essência do caso, mais elevado é o estímulo para o jornalista valorizar os «indícios técnicos», coligi-los, compará-los até poder fazer uma súmula com lógica e verosimilhança para trazer a público uma grande «caxa».
Não é muito lógico acusar um jornalista de quebrar o sigilo, seja do que for, pois se um assunto é sigiloso, cabe aos funcionários que com ele lidam evitar que chegue ao conhecimento de pessoas não autorizadas.
O jornalista, perante uma resposta do tipo «sobre isso não falo porque que é matéria classificada, apenas tem que respeitar o silêncio do interlocutor e não insistir, embora fique a saber que existe «algo» que não lhe querem divulgar.
Portanto, o que é secreto não deve ser divulgado nem ao maior amigo, o que exige o maior rigor de quem trabalha com ele. O papel do jornalista não é guardar segredo, mas sim, informar os seus leitores sobre tudo o que sabe e as suas notícias têm mais valor se forem inesperadas, exóticas, invulgares, raras do género «o homem mordeu o cão».
Se um funcionário que é obrigado ao segredo, conta um facto sigiloso, a um jornalista não pode esperar deste maior discrição que a sua própria, visto este, por formação profissional, não estar sujeito a qualquer obrigação desse género nem foi ajuramentado para isso. É fácil, por isso, concluir que o sigilo constitui uma responsabilidade intransmissível dos funcionários que são obrigados a guardá-lo.
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quinta-feira, 21 de junho de 2007
Suspeições intoleráveis
Transcreve-se do Diário de Notícias, este texto que representa grave irresponsabilidade do funcionário da Justiça que fez sair a notícia do dossier em que devia permanecer guardada em segredo. Num desabafo no bom estilo maldizente do povo descontente, poderia dizer-se : neste País nem a Justiça funciona bem.
Fonte ligada à investigação do escândalo Portucale fez chegar ao JN elementos que envolvem, através da escuta de conversas telefónicas, três membros do actual Governo e uma figura destacada do PS. A notícia não entra em transcrições nem em citações, mas não permite dúvidas: altos quadros do BES, falando entre si, asseguravam que tudo estaria sob controlo, depois das diligências junto do Executivo recém-empossado.
De uma só penada, forças com acesso directo a esta investigação lançam na opinião pública a suspeita de actuação à margem da lei sobre um quinto dos actuais governantes. Se atendermos às pastas de cada um e às que valeria a pena pressionar, o leque de suspeitos decresce notoriamente.
Para o cidadão comum isto tem de ser intolerável.
Intolerável que, no decurso deste tipo de instrução de processos de práticas de tráfico de influências e de corrupção entre decisores do Estado e mundo dos negócios, se divulguem peças processuais para chantagear um sector, desviar a atenção de outro sector ou, ainda, sabotar a investigação, no seu conjunto.
Intolerável que paire no ar a suspeição sobre o bom-nome de um grupo muito restrito de possíveis suspeitos, sem que se nomeie directamente os visados e sem que se apure se há correspondência entre os desejos expressos ao telefone e as realidades da decisão política. E não se poderia, aliás, neste momento processual, esclarecer qualquer destas dúvidas.
Esta utilização dos processos à luz de interesses que não os da própria administração da justiça e da defesa dos direitos dos cidadãos envolvida não é justa nem é saudável. De novo.
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domingo, 6 de maio de 2007
Criança desapareceu no Algarve
No editorial do Diário de Notícias de 6 e Maio é afirmado que, «para além da dimensão policial do caso, e respeitando a dor dos pais, há no entanto uma reflexão que não deve deixar de ser feita: é pura irresponsabilidade deixar três filhos de tão tenra idade (um par de gémeos de dois anos e Madeleine de três) sozinhos em casa, ainda para mais num país estrangeiro e por isso desconhecido.
Um casal de médicos tem maior obrigação de o saber porque, para além de conhecer o mundo e a maldade que se esconde no ser humano, pode e deve avaliar todo o conjunto de problemas e acidentes que crianças dessa idade têm tendência a provocar estando libertas da necessária vigilância de um adulto.» É realmente um ponto de reflexão a sublinhar que mostra que os próprios ingleses, com tanta fama de eficientes, não são todos menos medíocres do que os portugueses.
Mas desta lamentável ocorrência ressaltam outros aspectos que podem levar a suspeitar da falta de sensibilidade e de sentido das responsabilidades por parte de polícias e órgãos da Comunicação Social.
Admitamos que a criança não foi vítima de acidente, por ter saído de casa e caído num poço, por exemplo, e que foi raptada com o intuito de obtenção de um resgate. Neste caso a melhor reacção da família e dos polícias seria manter o caso em segredo para deter o raptor no momento e local por ele indicado para o pagamento que, logicamente, seria próximo em termos de distância e de data. Se essa fosse a finalidade, depois de tanta publicidade, o raptor já não se arriscaria às consequências da obtenção do resgate e a sua preocupação passaria a ser libertar-se da criança, do que poderia resultar a morte desta.
Porém, a finalidade do rapto poderia ser outra como o tráfico para utilização em actos de pedofilia ou para o negócio de órgãos para transplante, casos em que a busca e o bloqueio da fuga não deveria demorar para ter eficiência, sem que isso viesse impedir a manutenção do segredo, dentro do princípio de informar apenas quem tem necessidade de saber. Porém, dada a sensibilidade do caso, e os interesses em causa, inclusivamente diplomáticos e da indústria do turismo e o desejo de novidades da parte dos jornalistas, não se trata de uma acção de fácil coordenação e controlo, pelo que são de evitar críticas e juízos apressados e com pretensão de correcção.
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